Filme do dia (74/2018) - "14 Estações de Maria", de Dietrich Brüggemann, 2014 - Maria ( Lea Van Acken) é uma jovem de 14 anos. De família muito religiosa, Maria está prestes a ser crismada. No entanto, seu contato com o "mundo exterior" - as músicas que sua igreja considera profanas, os colegas de escola do sexo oposto e menos religiosos que ela - pode criar tentações e afastar Maria de seu maior desejo - tornar-se uma santa.
O título original "Kreuzweg" refere-se, na realidade, à "via crúcis", ou, o caminho trilhado por Jesus Cristo até o calvário, tradicionalmente composto por 15 imagens desde a condenação de Jesus à morte até sua ressurreição. O filme é dividido em quatorze cenas únicas, relativas a cada imagem da "via crúcis", descartada a última cena referente à ressurreição. Faz-se, aqui, uma correlação entre a personagem Maria e os últimos momentos da vida de Jesus. Com relação ao conteúdo, a obra discorre sobre a religiosidade extrema, o fundamentalismo, o fanatismo religioso que destaca do mundo aqueles que abraçam essa fé. Curiosamente, o filme não faz um juízo de valores explícito - cada espectador vai "ler" a obra segundo sua fé (ou ausência dela, no meu caso). Apesar dos acontecimentos chocarem - ou, ao menos, incomodarem - uma pessoa pouco religiosa, agnóstica ou ateia, possivelmente as mesmas ocorrências poderiam ser interpretadas como prova de fé e vistas com júbilo por um católico muito devoto. Eu, particularmente, vejo no filme uma crítica ao fundamentalismo, independente de em qual religião. Se pensarmos no mundo atual e no acirramento de questões religiosas com o surgimento de vários grupos religiosos extremos - cristãos, muçulmanos e judeus - é de se concordar que o filme é beeeeem atual e pode ser visto como um aviso de como esse fanatismo pode facilmente sair do controle, com resultados imprevisíveis e alarmantes. Na história, a jovem Maria é orientada por seu padre a resistir às tentações (e praticamente tudo seria tentação para ele) e sacrificar-se por seu Deus, inclusive abstendo-se de todos e quaisquer prazeres. Maria, então, interpreta que se alimentar ou se aquecer adequadamente são satisfações profanas e abrir mão disso a aproximaria de Deus, o que, aos poucos, mina seu estado de saúde. Para alguém que, como eu, não acredita em nenhum dogma religioso, as convicções de Maria e de sua família são verdadeiras aberrações, quase um caso de polícia. Eu admito que fiquei MUITO incomodada com o conteúdo do filme. Quanto à forma, a obra ousa ao limitar-se a quatorze cenas únicas, sem cortes, com a câmera parada (com apenas uma exceção), de forma que a rigidez extrapola o tema, atingindo, inclusive, essa forma. Essa estética me deu certa sensação de claustrofobia e também me incomodou. Destaque para a fotografia clara, luminosa e suave. A atriz que interpreta Maria - Lea van Acken - consegue transmitir a carga emocional que uma jovem beata de 14 anos enfrenta a deparar-se com as provações - aqui mostradas como um mero diálogo com um menino da mesma faixa etária. A menina é boa. Mais pesada é a interpretação de Franzizka Weisz que faz o papel de mãe de Maria e que carrega a rigidez em seu estado mais extremo - e, sim, acredito que tem gente louca para ser daquele jeito. A obra é muito boa, mas incomoda e abre margem para interpretações opostas (o que eu acho bizarro). Ainda assim, acho um ótimo exercício de análise. Recomendo.
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