“A Árvore do Tamancos”, de Ermanno Olmi, 1978
- hikafigueiredo
- 25 de ago. de 2024
- 3 min de leitura
Filme do dia (85/2024) – “A Árvore do Tamancos”, de Ermanno Olmi, 1978 – Lombardia, final do século XIX. Quatro famílias camponesas vivem comunitariamente, dividindo o trabalho no campo, nas terras de um mesmo senhorio, o qual recebe, em forma de pagamento, dois terços da produção. Dia após dia, eles realizam seus afazeres, sem perspectiva de mudança.

Considerado a obra-prima do diretor Ermanno Olmi, o filme é um retrato profundamente realista da vida camponesa no interior da Itália no final do século XIX. Com ecos claros do neorrealismo italiano e com uma linguagem quase documental, o filme apresenta o cotidiano daquele grupo de camponeses sem se prender a uma linha narrativa única e específica – em outras palavras, a obra é um fragmento daquela realidade, sem qualquer “começo, meio e fim” e consegue, como nenhum outro filme que eu me lembre de ter visto, dar a ideia de continuidade no tempo e no espaço. Da mesma forma, o filme não se prende longamente a nenhum dos personagens e suas ações individuais são claramente menos importantes do que a vida comunitária que levam, muito embora, aqui e ali, existam pequenas “historietas” envolvendo alguns deles (o avô e a neta, o jovem casal, os pais do menino estudante). É uma obra que retrata o simples existir de uma gente, sem nada de especial, o que pode exaurir certo tipo de público que espera situações extraordinárias como motivo para o filme ser feito. A narrativa é linear, em ritmo muito lento e constante. Aqui a câmera é colocada numa posição de mera observadora. Em momento algum existe uma interação entre câmera e ação, ela sempre assume uma posição de passiva observação. Para mim, a atmosfera manteve-se sempre dentro de uma angústia sutil, um certo sentimento de vazio existencial onde inexiste espaço para sonhos ou aspirações – a vida é aquilo e não existe perspectiva de mudança e, eventual modificação, sempre será para algo pior. O pessimista desfecho da história consegue aprofundar essa angústia, pois um acontecimento tolo leva a uma consequência terrível para a vida de uma das famílias retratadas. É claro que existe uma crítica social poderosa no filme, ainda que ela não surja de uma forma gritante ou espalhafatosa – não, a crítica social é discreta, mas impressionantemente palpável, onde percebemos o fosse profundo e intransponível entre proprietários (capitalistas) e camponeses (proletariado rural). A presença da religiosidade ancorada no catolicismo é constante – a religião surge como norteadora daquelas vidas e o único raio de esperança de melhoria. A obra traz uma fotografia belíssima, em tons quentes, apoiada em longos planos abertos e médios, sempre fixos – existe uma beleza pictórica rara neste filme! A trilha musical é quase totalmente diegética (a música pertence ao universo ficcional) e são constantes os longos silêncios ocupados pelos meros sons dos afazeres dos camponeses. O desenho de produção de época é sensacional, eu me vi mergulhada na vida rural da Itália no final do século XIX. Quanto às interpretações, o filme é 100% interpretado por camponeses reais da região de Bérgamo, os quais reproduziram, na tela, sua vivência nos campos italianos da década de 1970 (que, aparentemente, não difere muito da realidade da época do filme). Justamente por isso, o filme traz cenas bem impactantes como a cena em que matam um porco – okay, esse é o dia a dia daqueles camponeses, mas, para mim, foi impossível de olhar (graças a Deus eu estava em mídia física e pude só pular essa cena. Sim, me julguem). O filme foi agraciado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes (1978). Curiosamente, foi considerado um filme documental e recebeu o Prêmio de Melhor Documentário no BAFTA (1980). O filme é incrível pela sua forma de aproximar o público da realidade retratada, não me lembro de outro que chegou assim tão perto da vida real, mas não é para qualquer público, pois são quase 3 horas de existência pura e simples. Pelo que eu pesquisei, o filme está disponível com legenda em português no Youtube.
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