Filme do dia (69/2020) - "A Última Gargalhada", F. W. Murnau, 1924 - O porteiro de um hotel chique (Emil Jannings) sente-se muito satisfeito de sua função e exibe, com orgulho, sua garbosa farda para os vizinhos do local onde reside. Pela sua altivez, é respeitado, quase temido por seus pares. No entanto, pela sua avançada idade, o homem é substituído e rebaixado para uma função menor no hotel - um mero auxiliar de limpeza. A mudança destruirá a auto-estima do velho e fará com que perca o prestígio que possuía entre os seus.

Interessante obra do Expressionismo Alemão, "A Última Gargalhada" tem méritos indiscutíveis. O primeiro deles é contar uma história praticamente sem nenhum texto - só há duas intervenções escritas durante toda a obra, uma delas em forma de documento inserido na narrativa. Outro mérito é conseguir fazer uma crítica social somente com imagens, através da contraposição da faustosa realidade dos hóspedes do hotel com o humilde cotidiano do funcionário. Há, também, uma crítica ao próprio ser humano, ao ostentar, de forma tão acintosa, a crueldade exercida contra o pobre idoso, já tão humilhado por sua mudança de função e, consequentemente, de status social. Mas não só isso me chamou a atenção na obra. Adorei a intervenção do autor que, num ímpeto de justiça, explica uma súbita alteração no final provável do personagem e nos brinda com um verdadeiro plot twist (okay, ingênuo, quase infantil, mas extremamente "saboroso" àqueles que acham a sociedade impiedosa e injusta). Também fiquei bastante admirada com a fotografia do filme: há inúmeros movimentos de câmera, algo um pouco incomum na época; há momentos em que a câmera assume o ponto de vista do personagem, inclusive na cena em que ele está se recuperando de uma bebedeira e está enxergando tudo desfocado ou em duplicidade; há a mudança de luz entre o momento de orgulho do funcionário e o tempo em que ele se sente diminuído pela mudança de função - no primeiro momento a luz é radiosa, pouco contrastada, alegre, e, no segundo, ela é mais soturna, com mais "escuros" e contraluzes, planos mais fechados, tudo acompanhando o estado de espírito do personagem.Aliás, acho incrível como o Expressionismo Alemão consegue, sempre, exprimir a opressão em forma de imagens, é maravilhoso. A trilha sonora possui trechos onde há a intervenção de sons que remetem às imagens - o personagem sopra um apito na cena e, na trilha sonora, um som agudo remete-nos ao timbre do apito, ocorrendo o mesmo com os sons de uma corneta e de um trombone. Há, por fim, a interpretação fabulosa de Emil Jannings, um ator excepcional, com uma expressividade facial e corporal impressionantes (o ator recebeu o primeiro Oscar de Melhor Ator da história, em 1928 por dois filmes produzidos nos EUA; infelizmente, foi cooptado pelo nazismo e foi bastante ativo na propagação das ideias do Terceiro Reich, motivo pelo qual foi, posteriormente, banido das telas) e a direção segura e talentosa de Murnau. Apesar do fantasioso e ingênuo desfecho, achei uma obra memorável e gostei bastante. Recomendo.
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