Filme do dia (323/2021) - "A Última Sessão de Cinema", de Peter Bogdanovich, 1971 - Na pequena cidade de Anarene, no Texas, os adolescentes Sonny (Timothy Bottoms) e Duane (Jeff Bridges) passam os dias entre a escola, a sinuca e o cinema local. Junto com outros jovens, eles levam uma vida cheia de sonhos e intenções, sem se dar conta da vida adulta à espreita.

Ícone da chamada Nova Hollywood, momento do cinema norte-americano em que diretores em ascensão afastaram-se da indústria cinematográfica e abraçaram a ideia de um cinema autoral e menos massificado, Peter Bogdanovich entrega um tocante filme sobre o gosto amargo da juventude que perde sua inocência, deixando escorrer, por entre os dedos, seus sonhos e suas parcas perspectivas de sair de um círculo vicioso de decepções e vazio existencial. Em uma decadente cidade do interior do Texas, alguns jovens levam suas vidas alegres e cheias de vitalidade imaginando um futuro arrebatador, repleto de realizações. O contraste entre essa geração e a de seus pais é marcante - a primeira, sonhadora, ativa e motivada vai der encontro à segunda, onde a desilusão e angústia são a regra. Avisos dos mais velhos não faltam, mas os meninos mais novos precisam, por si só, conhecer a decepcionante realidade da vida e a obra trata justamente disto: a perda da inocência, o momento em que o brilho no olhar se perde e se alcança a consciência de que o poço não tem saída nem fundo. A narrativa foca nos jovens Sonny e Duane, dois amigos que dividem histórias e sonhos. De um lado, Sonny, um rapaz apagado e romântico que deseja secretamente Jacy, a namorada do amigo; de outro, Duane, um jovem extrovertido e assertivo, decidido a casar com a namorada, por quem é apaixonado. Jacy, no entanto, mostra-se uma garota frívola, manipuladora e egoísta, que, sabendo-se desejada, usa de seus encantos para "jogar" com os sentimentos alheios. Paralelamente a isso, temos a geração adulta - Sam, Ruth, Lois, Genevieve e Abilene são os "fantasmas" da cidade, pessoas cuja luz da vida foi tragada pela realidade, pelo cotidiano, pelo tédio e pelas normas, e aí temos toda a sorte de amarguras, de casamentos fracassados (mas levados adiante pelo medo ou hábito) a corações partidos e problemas financeiros. A narrativa é linear, em ritmo moroso, transmitindo a ideia de imobilidade (tanto em relação à cidade, quanto em relação à sociedade). A atmosfera é de desalento crescente, de esvaziamento, de perda e de vazio - ah, sim, o espectador morre um pouco através da obra. A fotografia P&B é adequadíssima ao filme, pois retrata a existência cinzenta daquela comunidade. A trilha sonora é econômica e algumas passagens silenciosas ajudam a pesar o clima, aumentando o vazio. A ambientação arenosa da cidade também é essencial para aprofundar a sensação de secura e sufocamento daquelas pessoas. O elenco está maravilhoso - Peter Bogdanovich fez um exímio trabalho de direção de atores, não tem um sequer que esteja deslocado. Timothy Bottoms e Jeff Bridges estão ótimos como os dois amigos em vias de perder sua inocência e a lenta queda de cada um vai ser sentida dolorosamente pelo público; Cybill Shepherd interpreta a cínica Jacy, e atriz consegue entregar uma verdadeira cobrinha para o espectador; a diva Ellen Burstyn interpreta a desiludida Lois, mãe de Jacy, consciente da personalidade da filha; Eileen Brennan interpreta Genevieve e sam Bottoms, o pobre-diabo Billy. Mas, apesar de tantas boas interpretações, há seus destaques: a estupenda Cloris Leachman, maravilhosa como a delicada e romântica Ruth - sua interpretação é visceral, passando tanto pelo contido, quanto pelo explosivo com igual desenvoltura e legou os prêmios Oscar (1972) e BAFTA (1973), ambos na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante, para a atriz; e o incrível Ben Johnson no papel de Sam, sendo agraciado com os prêmios Oscar (1972), BAFTA (1973) e Globo de Ouro (1972) na categoria Melhor Ator Coadjuvante, por sua atuação. A obra é realmente excepcional, uma verdadeira obra de arte de Bogdanovich. Clássico absoluto, é obrigatório.
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