Filme do dia (19/2021) - "A Última Tentação de Cristo", de Martin Scorsese, 1988 - Jesus (Willen Dafoe) é um homem comum, atormentado por vozes, que, subitamente, descobre-se filho e enviado de Deus. Ele passa pregar pela Judeia e a ele se junta um séquito de fiéis, incomodando o governo romano.

Considerado herético por muitos - ele chegou a ser proibido no Brasil na época de seu lançamento -, o filme, baseado no romance de Nikos Kazantzákis, apresenta um Jesus muito mais próximo dos homens do que de Deus. Sofrendo das mesmas aflições terrenas que os demais homens, atormentado por dúvidas, frágil e contraditório, Jesus acaba por se descobrir como o Messias, o enviado de Deus. Ao ter essa revelação, ele parte em pregação pela Judeia - momento em que o filme passeia pelas principais passagens bíblicas, como as tentações de Cristo no Deserto, a transformação de água em vinho, a cura dos doentes, a ressureição de Lázaro, dentre outros -, jamais perdendo de vista aquela parcela humana que possuía. Eu diria que boa parte do filme mantém-se bastante fiel às passagens dos Evangelhos, com apenas alguns toques diferenciados. A coisa vai pegar mesmo no último arco - aquele que dá nome ao filme -, quando Jesus, já pregado na cruz, antevê como seria sua vida se levasse uma existência humana e terrena como os demais homens. Aqui, Jesus abraça sua natureza humana, abandona o chamado de Deus e cede aos seus sonhos e desejos, quando se casa com Maria Madalena. O mais curioso é que o filme - que escandaliza os mais devotados -, acaba mostrando, justamente, que Jesus opta por seu sacrifício, retornando para o chamado de Deus, completamente consciente de sua decisão: quer coisa mais alinhada com a fé cristã que isso? Okay, não sou nada religiosa, mas acho que a obra, ao invés de negar qualquer preceito cristão, reforça os ensinamentos e dogmas da fé cristã, apenas incluindo, neles, uma dimensão mais humana. As interpretações - sem entrar na questão do branqueamento do povo da Judeia, começando pelo Jesus loiro de olho claros - são bastante viscerais. Willem Dafoe está incrível como Jesus: o personagem sofre por sua dicotomia humano x sagrado, ele demonstra fragilidades, medos, contradições e Dafoe consegue, lindamente, transmitir todas estas questões. Barbara Hershey interpreta Maria Madalena, conseguindo passar também suas contradições; Harvey Keitel interpreta Judas e eu não conseguiria imaginar alguém melhor para esse papel rs; David Bowie faz uma ponta como Pôncio Pilatos. Eu não vejo nada de herético na obra, pelo contrário, eu a acho uma verdadeira ode ao sacrifício de Jesus e à grandeza do personagem. Acho um belo filme e recomendo para quem não se prende demais a dogmas religiosos.
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