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  • hikafigueiredo

“A Caça”, de Thomas Vinterberg, 2012

Filme do dia (96/2023) – “A Caça”, de Thomas Vinterberg, 2012 – Um pacato professor de pré-escola, Lucas (Mads Mikkelsen), é acusado de assediar uma aluna, filha der seu melhor amigo, a pequena Klara (Annika Wedderkropp), de cinco anos. A história toma proporções assustadoras e se torna uma ameaça à integridade física e à vida do professor.





Acho Vinterberg um diretor excepcional, que consegue tratar de temas difíceis de maneira cirúrgica, mas confesso que este, para mim, é um filme controverso e complicado. A obra discorre sobre um professor que é acusado de molestar uma criança de cinco anos, filha de um amigo de longa data. Como vive em uma pequena cidade, a história se espalha e logo o professor torna-se persona non-grata em meio à comunidade onde viveu toda a sua vida. Como acompanhamos o “nascimento” da acusação, que parte da própria criança – Klara vive uma “paixonite” infantil pelo professor e, ao ser repreendida por ele, sente-se rejeitada; sem entender muito bem o que fala, ela dá vazão à sua raiva narrando um episódio fantasioso à diretora da escola em que estuda e Lucas trabalha -, temos condições de perceber que tudo se trata de uma ilusão e que o professor é vítima de uma falsa acusação. Chegamos às temáticas centrais da obra – o julgamento precipitado, as certezas sem comprovação, a indignação sustentada por falácias, a destruição de uma reputação e de uma vida sem elementos de prova, a angústia de quem não tem como se mostrar inocente. O protagonista sofre toda sorte de injustiças, ficamos indignados por isso e, empaticamente, cremos piamente que não crucificaríamos alguém desta forma. Mas aí que reside o que, para mim, é complicadíssimo na obra – crimes de natureza sexual jamais são cometidos às claras e a palavra da vítima, muitas vezes, é a única prova disponível. Quando a vítima é uma criança, isso se torna ainda complexo. Ainda que o filme apresente uma história mentirosa, na vida real é muito difícil uma criança criar uma fantasia de natureza sexual, espontaneamente, por vingança, inclusive pelo constrangimento que sente ao relatar um abuso, seja verdadeiro ou fictício (já não é assim tão incomum quando o relato foi instrumentalizado por terceiros, mas isso é percebido, com certa facilidade, por um psicólogo especializado). Assim, por mais que o diretor tenha tido uma intenção louvável – discutir o pré-julgamento e o hábito de “condenarmos” um eventual suspeito -, achei beeeeeeem complicado o objeto utilizado para tal discussão. Posso afirmar, inclusive, que o diretor talvez tenha sido um pouco leviano e bastante irresponsável na escolha do objeto, pois levantar dúvida sobre a palavra da vítima é, inclusive, uma forma de revitimização (observação: não falo como uma curiosa; minhas afirmações são embasadas em vivência profissional). Então, ainda que a condução da história seja feita magistralmente pelo diretor, tenho sérias ressalvas quanto ao objeto utilizado. Voltando ao filme, acho interessante que Vinterberg, mesmo escancarando o nascimento da mentira, joga, ao longo da narrativa, elementos discretos e pontuais para criar alguma ambiguidade, tanto que muitos espectadores ficam em dúvida acerca da inocência do protagonista – Vinterberg sendo mau, muito mau! A narrativa é linear, em ritmo lento, mas crescente. A atmosfera é de dúvida, angústia, tensão e descrença. Formalmente, Vinterberg, aqui, abandona completamente as propostas do Movimento Dogma 95, do qual fez parte, e nos entrega um filme bastante convencional quanto à linguagem. A fotografia colorida é belíssima, em tons quentes, com o uso de planos médios e fechados e o aproveitamento das lindas paisagens das florestas norueguesas quando dos planos abertos. Como é comum nos filmes europeus e, em especial, nas obras nórdicas, a música é utilizada de maneira pontual e pouco interfere na “leitura” do espectador, justamente por, muitas vezes, ser “suspensa” nos momentos de clímax – adoro os silêncios dos filmes europeus!!! O ponto alto, altíssimo, do filme é o elenco. Tanto pela interpretação da atriz mirim Annika WedderKropp, que interpreta Klara, quanto pelo trabalho de Thomas Bo Larsen, no papel de Theo, pai da criança, ou de Susse Wold, como Grethe, a diretora da escola, o elenco é fenomenal, todos com interpretações muito, muito convincentes. Mas o filme é de Mads Mikkelsen. Sei que falar do ator é chover no molhado, pois ele sempre entrega trabalhos excepcionais, mas aqui ele superou qualquer expectativa e dos premia com uma interpretação sensível e dolorosa do professor Lucas. Pelo trabalho incrível, o ator foi agraciado com o prêmio de Melhor Interpretação Masculina no Festival de Cannes (2012) – merecidamente. A obra foi indicada ao Oscar (2014) de Melhor Filme Estrangeiro, ao Globo de Ouro (2014), ao Critics’ Choice Award (2014) e ao BAFTA (2013) nas mesmas categorias, bem como à Palma de Ouro em Cannes (2012). Então... o filme é bom? É ótimo!!! É um filmaço!!! Maaaaas, por razões pessoais e profissionais, tenho ressalvas especificamente ao objeto. No entanto, quanto ao filme, não tenho nem o que dizer. Recomendo, mas peço que seja visto com um olhar bem crítico acerca do ponto que relatei.

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