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“A Carruagem Fantasma”, de Victor Sjöström, 1921

  • hikafigueiredo
  • 4 de out. de 2024
  • 3 min de leitura

Filme do dia (109/2024) – “A Carruagem Fantasma”, de Victor Sjöström, 1921 – Na noite do dia 31 de dezembro, a freira do Exército da Salvação, Edit (Astrid Holm), tuberculosa, percebendo que está próxima de sua morte, pede para falar com David Holm (Victor Sjöström). Em um outro local da cidade, três bêbados, dentre os quais David, conversam sobre uma antiga lenda de que a última pessoa a morrer nas datas de 31 de dezembro será responsável pela condução da carruagem da Morte, levando as almas dos recém falecidos, pelo próximo período de um ano.





Obra-prima do diretor Victor Sjöström, o filme, baseado no romance homônimo da escritora sueca Selma Lagerlöf, discorre sobre a degradação humana e a sua possibilidade de redenção diante de seu sincero arrependimento e da sua aproximação de Deus. Ainda que o argumento seja romântico e ingênuo, a obra tem virtudes inegáveis, que a tornaram um marco do cinema sueco. A primeira virtude que merece ser destacada é o retrato fiel de um relacionamento amoroso claramente violento e abusivo e da deterioração das relações humanas. O personagem David é a imagem do homem alcóolatra e truculento, que transforma a vida da esposa e dos filhos em um inferno na Terra. Ainda que o abuso praticado por David esteja em um estágio intermediário – em nenhuma cena ele chega agredir a esposa Anna -, ele claramente se encontra em uma escalada de violência em relação a ela, seja através de gritos, seja pela humilhação e deboche dirigidos a ela. Lembrando que o filme é mudo, toda essa violência é mostrada somente através das expressões faciais e corporais dos atores, numa interpretação incrível. O segundo ponto que merece destaque é a fenomenal representação do mundo espiritual, que aqui significa um limbo entre o universo dos vivos e o paraíso, um local de expiação para todos os pecados cometidos na Terra. Tecnicamente, essa representação foi possível graças à dupla exposição da película, possibilitando um efeito de sobreposição de imagens que levou à alegoria de mundos distintos – o dos vivos e o além. Considerando que, em muitas cenas, existe uma interação entre os personagens dos dois universos, imagino o trabalho que deu fazer o filme, precisando de ensaios exaustivos e muita tentativa e erro para chegar ao efeito desejado. O terceiro ponto que merece destaque é a construção temporal da obra. O diretor brinca com a cronologia da história, retrocedendo a cenas passadas e chegando a fazer flashbacks dentro de flashbacks, sem jamais perder a lógica da narrativa e sem deixar o espectador perdido, lembrando que, na época, essa brincadeira com a não-linearidade temporal era bastante incomum. Cabe destacar, ainda, duas questões técnicas: a fotografia P&B com efeitos coloridos a indicar cenas internas (amareladas) e externas noturnas (azuladas) e a sonoridade sombria – sim, é um filme mudo, mas, como todos os filmes da época, existia uma sonoridade que os acompanhava; com frequência, essa sonoridade se limitava a uma música simplesmente, mas aqui temos, além da música funesta e pesada, alguns ruídos incômodos, como as “batidas” que demarcam os cinco capítulos que compõem a obra; essa sonoridade é responsável por uma atmosfera sombria e fantasiosa, algo bastante incomum para a época. Por fim, vale discorrer sobre a expressividade do quarteto de atores principais – Victor Sjöström, que além de dirigir a obra, ainda interpreta o alcoólatra David; Hilda Borgström como a esposa Anna; Tore Svennberg como Georges e Astrid Holm como Edit -, todos impecáveis e muito menos teatrais e caricatos do que as interpretações costumavam ser naquele período. O filme é simplesmente incrível, em especial se pensarmos na sua importância histórica dentro do cinema sueco. Gostei demais e recomendo muito (para quem não se importa de ver filme P&B e mudo). O filme está disponível, completo e com legendas, no Youtube e em mídia física.

 
 
 

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