Filme do dia (234/2021) - "A Cor da Romã", de Sergei Parajanov, 1969 - Um panorama da vida e obra do poeta trovador armênio do século XVIII, Harutyun Sayatyan, conhecido como Sayat Nova.
Não, a obra não tem nada a ver com uma cinebiografia tradicional de algum artista. Desde os primeiros minutos da obra, o diretor expõe sua intenção de captar, através de seu filme, um pouco da essência do poeta Sayat Nova, e, ainda que exista uma condução temporal da narrativa da infância à maturidade do autor, o que se propõe é enveredar pelas emoções proporcionadas pelos poemas de sua autoria. O filme, repleto de alegorias e metáforas, muitas das quais não cheguei nem perto de compreender, é um verdadeiro mergulho através de imagens e sensações. Imageticamente, a obra é excepcional - não há sequer um frame do filme que não seja milimetricamente construído para parecer uma pintura, quase sempre com uma inspiração gótica - é um filme extremamente plástico, de uma beleza hipnótica, que desperta um sem fim de sensações. Há a alternância de planos abertos a médios e planos próximos, muitos deles remetendo às pinturas de natureza morta tão comuns nas artes plásticas. A câmera é sempre muito estática - não há absolutamente nenhum movimento de câmera ao longo da obra -, preferencialmente na altura do objeto a ser filmado, com algumas poucas exceções (lembro de dois ou três plongées e um único contra-plongée). Há a predominância da cor vermelha, seguida pelo azul e amarelo, sempre em contraposição ao branco e ao preto das cenas. Destaque para a direção de arte especialíssima, marcada pelos figurinos e objetos típicos da Armênia daquele período. Dentro das cenas, a maioria dos movimentos são lentos e pouco naturais. Não há uma condução factual da vida do poeta, o que temos é uma imersão sensorial - é uma obra para ser sentida e não compreendida racionalmente. Também é uma obra com pouquíssimas falas, mas riquíssimo em sonoridades, que vão de músicas típicas às ladainhas religiosas, passando por sons ambiente pontuais, propositalmente "destacados" dos demais sons. Os atores - todos com aqueles olhos amendoados das pinturas góticas - têm uma expressão séria e profunda e olham reiteradamente diretamente para a câmera, como que perscrutando as reações e emoções do espectador (seus olhares são quase incômodos e invasivos, tal sua profundidade e insistência). Totalmente dispensável a cena da imolação das ovelhas - tive de fechar os olhos, pois para mim são cenas absolutamente grotescas, que me geram extremo sofrimento. A obra é muito poética, sensorial, onírica e tal, mas devo confessar que me cansei um pouco de seu ritmo excessivamente lento e pela ausência de uma narrativa efetiva e, lá pelo segundo terço do filme, acabei lutando contra um sono insistente. Definitivamente não é filme para todos os públicos - a obra exige, como poucas, a doação do espectador a um estado de quase torpor, a uma entrega emocional, a um "deixar-se levar". Foi um dos filmes que eu vi que mais se aproximou do status de "obra de arte", com uma pegada forte das artes plásticas. Para quem quiser uma experiência bem diferente, vale a visita.
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