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  • hikafigueiredo

"A Corte", de Christian Vincent, 2015

Filme do dia (383/2020) - "A Corte", de Christian Vincent, 2015 - O juiz Michel Racine (Fabrice Luchini) é conhecido pelo rigor com que julga seus júris. Amargo, circunspecto e rígido, é figura malquista entre os funcionários do tribunal e advogados. Tendo na pauta um complexo caso de infanticídio, Racine descobre uma antiga paixão entre os jurados, a anestesista Ditte (Sidse Babett Knudsen), fazendo com que ele mude completamente sua forma habitual de agir.





Eis um filme curioso. Durante boa parte da obra, o espectador sente a divisão abrupta entre os dois arcos que seguem paralelos - o julgamento que está acontecendo e os aspectos da vida pessoal do juiz que preside o júri. Ao longo da narrativa, os arcos parecem não se concatenar; ao contrário, eles "disputam" o espaço, a atenção do público. Até quase seu final, aquela divisão me incomodou, inclusive porque a parte do julgamento parecia muito mais instigante do que as intimidades do juiz. Pois não é que o diretor conseguiu "amarrar" o terço final, arrematando a história de uma maneira cirúrgica e dando sentido ao todo de um modo bastante satisfatório? Inclusive, a cena final é lindamente concluída, usando unicamente a imagem e prescindindo de qualquer fala ou diálogo para dar seu significado - quer coisa mais cinematográfica do que isso? O roteiro é extremamente enxuto, beirando o minimalismo, principalmente quanto à vida pessoal do personagem Racine - não há, em lugar algum, arestas a serem aparadas, o que temos ali é o mínimo necessário para o filme fazer sentido. A narrativa é linear e o ritmo é pausado, sem excessos. A atmosfera é de estranhamento, graças a seu formato "bipartido". O segmento do júri, inclusive, começa a criar um expectativa que, subitamente, é desmontada por completo (pode ser que algumas pessoas não se conformem com a fala explicativa do juiz e se frustrem estrondosamente com o desfecho do julgamento, o que não foi o meu caso, já que entendi perfeitamente o monólogo do personagem). O filme poderia dar uma sensação de claustrofobia por conta do longo tempo dentro da sala do júri, mas, incrível, não foi o que aconteceu. A paleta de cores prioriza as cores neutras - branco, preto, cinza - quebradas sistematicamente pelos detalhes vermelhos do cachecol e capa do Juiz e pelo vestido da personagem Ditte. Os enquadramentos são convencionais, sem grandes surpresas. As interpretações da dupla central são deliciosamente sutis - toda e qualquer informação sobre eles é transmitida pelo detalhes, pelos olhares, pelos gestos, pela linguagem corporal. A cena final, inclusive, é brilhantemente interpretada por Fabrice Luchini - seu olhar é mais eloquente que um discurso de uma hora - e não tenho dúvidas de que tenha sido essa cena que garantiu ao ator a Copa Volpi de Melhor Ator no Festival de Veneza. Já Sidse Babett Knudsen foi agraciada pelo prêmio César de Atriz Coadjuvante pela sua interpretação. Eu diria que este é um filme discreto, daqueles de "sabor" delicado, sutil, que pode não agradar a todos, mas que, com certeza, vai atingir aquela parcela do público que busca, nos detalhes, o diferencial. Como eu gosto deste tipo de obra, eu curti, inclusive muito mais do que eu acreditava ser possível, considerando uns três quartos do filme. Recomendo para o público que não busca emoções evidentes e exageradas. PS - O título traduzido do filme é muito feliz, melhor até que o original em francês, já que "corte" tanto pode se referir ao julgamento, quanto ao ato de galantear seu objeto de desejo (fazer a corte, cortejar), sendo que ambas as acepções fazem sentido para a história.

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