Filme do dia (275/2021) - "A Decadência de uma Espécie", de Volker Schlöndorff, 1990 - Em um futuro próximo, a nascente República de Gilead é um estado totalitário, de base cristã, que oprime a população, em especial as mulheres. Como grande parte das mulheres ser tornou infértil devido à poluição, aquelas que ainda têm a possibilidade de engravidar são tratadas como meras procriadoras e colocadas à disposição de homens poderosos para gerarem seus filhos, tudo com a anuência de suas furiosas esposas inférteis. Neste panorama, Kate (Natasha Richardson) torna-se "Offred", uma aia, ou seja, é designada para dar à luz a um filho do poderoso Comandante (Robert Duvall), para o desgosto de Serena Joy (Faye Dunaway), a esposa dele.
A obra - que recebeu o pior título que poderiam imaginar - foi a versão cinematográfica do célebre livro de Margaret Atwood, "The Handmaid's Tale", ou "O Conto da Aia", atualmente uma série de televisão. A história trata de Kate, ou, "Offred", uma aia - mulher fértil obrigada a ter relações sexuais com homens poderosos para gerar-lhes seus filhos. Na recente República de Gilead, as mulheres férteis são tratadas como gado e colocadas para procriar com os "homens de bem", enquanto suas esposas inférteis participam dos "cultos" - o momento em que a aia mantém relações sexuais com seu "proprietário". Talvez uma das distopias mais horrorosas já criadas pela literatura, "O Conto da Aia" descreve um regime totalitário, de base cristã, altamente misógino (além de racista e homofóbico), violento e a profundamente manipulador. Naquela realidade, as mulheres eram tolhidas de qualquer liberdade - não apenas as aias, mas todas as mulheres viviam sob a dominação masculina, inclusive as esposas dos homens poderosos, que eram obrigadas a aceitar a presença das aias em suas casas, com tudo o que isso trazia no bojo. Todas as mulheres eram submetidas a uma intensa doutrinação visando mantê-las dóceis e obedientes, acatando as regras impostas por aquele sistema. Muito embora a horrível realidade imposta pela República de Gilead, algumas mulheres acabavam realmente absorvendo aquelas regras, de forma a legitimar aquele governo e seu sistema. Outras, por seu lado, viviam o puro martírio, aceitando tudo apenas para se manterem vivas. A narrativa leva a misoginia, o machismo e o sistema patriarcal aos mais extremos limites, criando o pesadelo supremo para as mulheres e transformando-se na crítica mais contundente já escrita sobre a dominação masculina e religiosa. Diferentemente do livro, a narrativa do filme é linear, num ritmo bem marcado e adequado para a história. A atmosfera é desesperadora, chamar de pesadelo é pouco, é a terrível sensação de ser completamente calada e despojada de qualquer direito ou dignidade por ser, apenas, mulher. Tecnicamente, o filme é redondinho, ainda que bastante convencional. A grande força dele está mesmo no roteiro, mais do que em qualquer questão técnica. Natasha Richardson interpreta Kate-Offred, bem no papel, mas aquém de seus companheiros de elenco: Robert Duvall ("o Comandante") e Faye Dunaway (Serena Joy), ambos monstros, conseguem trazer uma gama enorme de sentimentos por seus personagens, que vão de asco a pena. Elizabeth McGovern interpreta Moira, Aidan Quinn interpreta Nick, Victoria Tennant, a odiosa "Tia Lydia" e Blanche Baker, Ofglen. Gente... o texto da obra é muito forte e poderoso, muito embora acredite que ele é infinitamente mais impactante para o público feminino. Ele é uma pequena mostra do que é possível quando o mal não é calado no momento certo. Que sirva de lição e aviso. Recomendo demais!
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