Filme do dia (158/2024) – “A Face da Corrupção”, de Robert Hartford-Davis, 1968 – Após um acidente que desfigurou sua noiva Lynn Nolan (Sue Lloyd), o cirurgião plástico John Rowan (Petter Cushing) passa a fazer experiências na tentativa de reverter as cicatrizes de sua amada, o que o levará a uma série de assassinatos de jovens moças.
Apesar do nome que sugere um filme policial, a obra se trata de um filme de terror claramente inspirado em “Os Olhos sem Rosto” (1960), filme francês do mesmo gênero e de certa notoriedade. A história discorre sobre amor obsessivo, manipulação, controle e culpa. Nosso protagonista – o cirurgião John Rowan – é um personagem um tanto quanto ambíguo: muito embora ele realmente cometa os assassinatos, ele se culpa por isso e tenta cessar a onda de mortes. Ocorre que ele também se culpa pelo acidente que vitimou sua noiva Lynn, uma modelo linda e famosa, com uma personalidade fútil, narcisista, egoísta e manipuladora, a qual consegue controlar o cirurgião através de seu amor obsessivo por ela, de forma que o impele a continuar fazendo vítimas em nome de sua beleza e bem-estar emocional. Assim, o médico acaba sendo vítima de sua obsessão e, apesar de ser quem protagoniza os assassinatos, é difícil vê-lo como vilão, papel que encaixa muito mais na personagem Lynn, pois ela, inconformada com suas cicatrizes, exige que o cirurgião tome uma atitude para resolver a situação. Uma característica da obra é que, apesar de ter uma atmosfera sombria e de inspiração gótica, é ambientada nos anos 60, em plena contracultura beatnik, o que tem forte consequência nos rumos da narrativa, especialmente na sequência do acidente com Lynn, que se passa em uma festa hippie, na qual a figura cavalheiresca e formal do personagem John encontra-se completamente deslocada. Confesso que o envolvimento do cirurgião plástico com a modelo, por seus estilos tão diversos, soa um pouco improvável, mas é explicado por aqueles fenômenos que levam homens bem mais velhos a se envolverem com jovens bem mais novas e que se fundamenta em machismo, misoginia e etarismo. O desfecho do filme – sem spoiler – fez com que eu me decepcionasse bastante, pois acabou sendo um plot-twist desnecessário e muito do sem graça. Apesar disso, o filme consegue segurar bem a atenção através de um ritmo moderado, mas crescente, e uma atmosfera constantemente tensa. A obra foi criticada por alguns excessos (para a época), principalmente pela violência envolvida e pela difusão da contracultura (não sei se foi intencional ou não, mas eu senti certo ar de crítica, como se a cultura hippie fosse fonte de muito mal na sociedade – o que, vamos combinar, é uma bobagem sem precedentes e fruto de uma posição extremamente conservadora). Formalmente, é um filme curioso, pois apesar de ter uma aura “antiga”, aproveita as cenas em que a cultura jovem é retratada para ousar na fotografia, sonoplastia e edição, através de movimentos e posicionamentos de câmera diferentes e sofisticados, música contemporânea e ritmo ágil e diferenciado. Por fim, Peter Cushing assume seu eterno papel de cavalheiro inglês como o cirurgião John, só que, aqui, vivenciando uma crise moral profunda e dolorosa, mas insuficiente para detê-lo – well, eu sou suspeita, pois sou fanzaça da tríade do terror Christopher Lee - Vincent Price - Peter Cushing, o que me anima a assistir qualquer filme de quaisquer destes atores. Gostei do trabalho de Sue Lloyd – sua Lynn é detestável e claramente vilã na história. O filme não é nenhuma obra-prima do terror e tem um desfecho discutível, mas é divertido, prende a atenção e traz algumas discussões interessantes. Eu gostei e recomendo. Disponível no Youtube e em mídia física.
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