Filme do dia (55/2021) - "A Longa Caminhada", de Nicolas Roeg, 1971 - Dois irmãos (Jenny Agutter e Luc Roeg) se veem perdidos no meio do Outback australiano, quando encontram um jovem aborígene (David Gulpilil) em seu "Walkabout", um ritual de passagem para a vida adulta onde os jovens precisam viver sozinhos, longe de sua tribo, vivendo do que a natureza lhe dá. O aborígene, então, passa a conduzi-los pelo deserto para devolvê-los à sua gente.

Profundo e angustiante, o filme é uma crítica feroz ao homem branco, à sua capacidade de destruição, à sua falta de empatia e generosidade e ao seu distanciamento da natureza. O jovem aborígene faz o contraponto ao homem branco, vivendo em comunhão com a natureza, sendo gentil e generoso com aqueles que lhe são diferentes, usufruindo apenas daquilo que lhe é necessário para a sobrevivência. Eu digo que o filme é angustiante porque ele atira na nossa cara toda a vilania, egoísmo e mesquinhez do "homem civilizado" e quão longe da natureza todos nós estamos. A narrativa acompanha o percurso dos três personagens e, por vezes, mostra cenas de outros humanos - sejam brancos ou aborígenes -, sempre destacando a inocência dos últimos quando em comparação aos primeiros. O tempo é linear e o ritmo, de lento a moderado. Aviso que há inúmeras cenas de caçadas reais - tanto pelo aborígene, com suas lanças e seu tacape, quanto pelos homens brancos, com suas armas de fogo -, que vão desagradar quem, como eu, não gosta de ver animais sofrendo (eu tive de fechar os olhos em várias cenas para conseguir terminar de ver, senão teria parado por ali mesmo). O filme traz uma fotografia bonita e diferente, com uma paleta de cores quentes (evidente, considerando o ambiente desértico), muito uso de grande angular, o que dá um tom meio onírico a algumas cenas, bem como inúmeros planos gerais e, no outro extremo, planos de detalhe. A edição de som também é diferentona, com muito "ruído" que não conseguimos decifrar do que se trata (às vezes parece som de enxame de insetos, às vezes parecem motores), além do som de um instrumento típico dos nativos que eu sequer sei o nome. O elenco é formado, basicamente, pelos jovens que interpretam os três personagens, que se saem muitíssimo bem, considerando que todos estavam na sua primeira experiência com atuação, inclusive o pequeno Luc Roeg, filho do diretor, e o aborígene David Gulpilil (que deve ter sido arregimentado em uma tribo mesmo, pois ele realmente caçou os animais, fez fogo, cortou a carne, etc, coisas que alguém aculturado não faria com tamanha desenvoltura). A obra é ótima, mas, ao terminar, fiquei com um gosto amargo na boca e um peso extra no peito - ainda assim, recomendo.
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