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"A Noiva", de Sérgio Tréfaut, 2022

hikafigueiredo

Filme do dia (137/2022) - "A Noiva", de Sérgio Tréfaut, 2022 - Após a reconquista, por forças internacionais, de Mossul, cidade iraquiana que estava sob o controle do Estado Islâmico, antigos combatentes do movimento são presos e executados pelo exército local. Dentre os prisioneiros está Bárbara (Joana Bernardo), uma jovem de origem franco-portuguesa que voluntariamente se uniu ao "Daesh". Agora, com dois filhos e grávida do terceiro, Bárbara terá de enfrentar seu julgamento como terrorista do Estado Islâmico.





Sérgio Tréfaut é um cineasta reconhecido por seus documentários, muito embora enverede, também, pela ficção. Nesta obra, o diretor faz uso de seu conhecimento da linguagem jornalística para fazer uma ficção com formato de documentário. Como o próprio diretor relatou antes da exibição de seu filme em uma sessão da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, ele buscou muito mais uma posição de observador neutro do que queria retratar - no caso, o fenômeno dos jovens europeus que, sem qualquer tradição islâmica, juntaram-se ao jihad e tornaram-se combatentes convictos do Estado Islâmico - do que alguém disposto a defender uma tese ou posição acerca do assunto. Assim, temos um filme de ficção claramente norteado pelos princípios do cinejornalismo e, não obstante seja uma proposta interessante e ousada, isto acarreta, ao meu ver, o principal "senão" da obra. Pela própria natureza da temática retratada - os desdobramentos de um movimento político e militar baseado em preceitos religiosos, profundamente fundamentalista e reconhecidamente violento, inclusive para os próprios participantes, como é o Estado Islâmico - o filme exigia algum posicionamento acerca da questão, isto é, esperava-se algum envolvimento emocional da obra com o tema - e isto não acontece. Pois, para mim, este foi o grande "calcanhar de Aquiles" do filme, já que o assunto, naturalmente, clamava por este posicionamento. O resultado é que essa neutralidade, esse "olhar" externo, sem engajamento, sem opinião, sem posição, levou a um enorme distanciamento do espectador da questão. Se pararmos para pensar, juntar-se a um grupo extremista, capaz de grandes violências, exige um envolvimento muito mais passional do que racional. Evidente que uma jovem que abandona uma vida segura, estável e confortável para enveredar por uma verdadeira guerra santa encontra-se profundamente dominada por sentimentos irracionais, extremos e dogmáticos - e o excesso de distanciamento do filme nos impede de "experimentar" minimamente esse caos interior e apaixonado da protagonista. É com certo desgosto que eu percebo uma grande ausência de "alma", de paixão, de indignação de qualquer espécie no filme - e o que poderia ser um enorme chute no estômago acabou sendo uma obra protocolar e blasé, que, no fundo, não me despertou nada em qualquer frente (pois, se o filme não me despertou sensações, tampouco ofereceu informações aprofundadas que me criassem curiosidade ou questionamentos sobre o tema). A sensação que eu tive é de que eu estava vendo tudo através de um binóculo, num espaço distante, confortável e neutro - enfim, tudo o que eu não gosto em um filme. O ritmo é lento, lentíssimo, e quem espera ver qualquer cena mais chocante, senta e espera, porque você vai cansar. Tecnicamente, o filme é impecável - muito bem produzido, com uma fotografia e uma edição de som de primeira, não tem o que dizer. Quanto ao elenco, caímos no mesmo problema do distanciamento: Joana Bernardo parece anestesiada, ela não demonstra grandes sentimentos em relação a nada e ainda que eu ache que isso tenha sido até mesmo orientação do diretor, acabou me afastando ainda mais da obra e do tema. Até entendo uma possível leitura do diretor (que também assina o roteiro): após tantas experiências traumáticas e terríveis, a personagem, teria sofrido um esvaziamento, uma perda de aspirações, sonhos e perspectivas ao ponto de não se importar mesmo com nada, e, sob essa eventual ótica, a interpretação da atriz estaria irretocável, mas, por outro lado, acabou por manter o espectador completamente "descolado" da protagonista. Interessante a escolha de nome para a personagem - se Bárbara é um nome que nos remete a coisas incríveis, também traz, em si, um significado mais pesado, relacionado ao que não é civilizado, à selvageria, à "barbárie", enfim, a coisas que qualquer crítico ao Estado Islâmico conseguiria conectar, facilmente, ao movimento. Voltando ao filme, merece destaque a cena da execução do marido de Bárbara, impactante justamente por não mostrar o executado, mas, sim, a reação da protagonista a essa violência. Também gostei da inserção, já nos créditos, de uma fotografia da personagem com seu marido, evidentemente captada quando o casal começara a se envolver com a jihad - o olhar de Bárbara é outro, muito mais assertivo, confiante e apaixonado. Bom... analisando minha última colocação acerca da fotografia da personagem, é possível que o diretor até tenha se posicionado quanto à questão nas entrelinhas, mas, se foi esse o caso, é tudo tão sutil que o espectador precisa de muito, mas muito, tempo para digerir a obra e perceber essas sutilezas. Eu achei um filme interessante, que traz uma temática muito pouco explorada pelo mundo e que pode abrir portas para análises, mas que tem o inconveniente de ser "frio", a exata antítese das obras sensoriais que eu tanto gosto. Indico? Aaaaah, com certa relutância, sim.

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