“A Substância”, de Coralie Fargeat, 2024
- hikafigueiredo
- 30 de set. de 2024
- 3 min de leitura
Filme do dia (106/2024) – “A Substância”, de Coralie Fargeat, 2024 – Elisabeth Sparkle (Demi Moore) é uma atriz e apresentadora que é demitida se seu programa de aeróbica por ser considerada velha demais para a função. Desesperada para recobrar seu posto de trabalho, ela recorre a uma droga misteriosa que promete fazer uma versão melhorada dela, sem imaginar que isso se transformará em seu maior pesadelo.

Situando-se nos gêneros ficção científica e terror, no melhor estilo body horror, o filme é uma crítica feroz a alguns dos pilares do machismo estrutural, os quais enclausuram as mulheres em estereótipos e comportamentos profundamente perniciosos. É através da história da protagonista Elisabeth que a obra expõe a objetificação das mulheres, às quais são exigidas beleza dentro de padrões irreais e juventude eterna, tudo para agradar os homens. Sem permissão para envelhecer, as mulheres são impingidas a manterem-se sempre jovens, mesmo às custas de agressões corporais e psicológicas como cirurgias plásticas e tratamentos estéticos invasivos e dispendiosos. Na narrativa, vemos a personagem Elisabeth que, a despeito de sua estética absolutamente dentro dos padrões, é demitida por ser considerada velha demais para o trabalho por seu chefe, um homem idoso e fora de qualquer padrão estético. Pressionada pela demissão e inconformada por não ter o mesmo frescor da juventude, Elisabeth apresenta-se como voluntária para testar uma substância desconhecida que promete aprimorar quem fizer uso dela. Muito embora pareça que o calvário da protagonista inicie após fazer uso da tal droga, ele, na realidade, começa bem antes, quando ela começa a ser cobrada por sua idade a ponto de questionar-se como indivíduo e aceitar consumir a tal substância desconhecida, a demonstrar o tamanho de seu desespero. A história, então, vai discorrer sobre inúmeras questões conexas: as exigências estéticas voltadas exclusivamente para as mulheres, o etarismo, a busca exagerada pela beleza e juventude, o medo de envelhecer, a submissão feminina às imposições masculinas, a presença maciça de homens em cargos de poder, a aparência se sobrepondo à essência, a ausência de sororidade e competição entre as mulheres, só para citar algumas das temáticas levantadas. A narrativa é linear, em ritmo alucinante e crescente – é realmente um ritmo incomum, ultrapassa qualquer filme de super-herói! A atmosfera é de desespero, angústia, tensão e urgência – nossa protagonista vai mergulhar em um pesadelo sem volta. O roteiro, lindamente desenvolvido, não alivia em momento algum e estende a situação aos seus limites mais extremos. Tecnicamente, o filme é construído para levar o espectador a experimentar um pouco do desespero de Elisabeth – a fotografia, hiper diversificada, traz câmeras na mão, movimentos de câmera variados, planos muito abertos contrapondo-se a planos fechadíssimos, uso de lente grande angular que leva à distorção da imagem, posicionamentos de câmera estranhos e sofisticados, dentre outros subterfúgios para incomodar o espectador; o som do filme, da mesma forma, existe para causar estranheza no espectador – são ruídos diversos e detalhes sonoros aumentados que incomodam constantemente o público. Os efeitos especiais, aliados à maquiagem, criam efeitos e visões grotescas e perturbadoras – adorei que nada parece ser CGI, é tudo construído fisicamente. Com relação ao elenco, Demi Moore e Margaret Qualley estão fantásticas como Elisabeth e Sue, os dois lados da mesma moeda. Também destaco o personagem Harvey, vivido por Denis Quaid, um sujeito simplesmente asqueroso (óbvio que o nome foi dado para remeter a Harvey Weinstein, um produtor de Hollywood condenado por abusos sexuais e assédio moral às atrizes que tinham o desprazer de trabalhar com ele), cuja imagem nos remete ao fato das exigências físicas serem válidas apenas para as mulheres. O filme foi agraciado com o prêmio de Melhor Roteiro em Cannes (2024), muito merecidamente! Nossa... eu adorei demais o filme, mas sei que não vai agradar todo mundo, principalmente pelas cenas de body horror e pelo ritmo exaustivo. Sua exposição das questões femininas relacionadas ao corpo e às exigências estéticas e etárias é muito válida. Recomendo muito, ressaltando que tem cenas incômodas e perturbadoras. Atualmente em cartaz nos cinemas.
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