- hikafigueiredo
"A Vida Invisível", de Karim Aïnouz, 2019
Filme do dia (133/2019) - "A Vida Invisível", de Karim Aïnouz, 2019 - Brasil, década de 1950. Guida (Júlia Stockler) e Eurídice (Carol Duarte) são duas irmãs muito próximas e companheiras. Um dia Guida apaixona-se por um marinheiro e parte com ele para a Europa. Eurídice, uma talentosa pianista, sonha em estudar música em Viena, mas acaba casando com o insosso Antenor (Gregório Duvivier). As irmãs, separadas, sem saber uma da outra, sonham com o reencontro.

O filme, ganhador do Prêmio "A Certain Regard" em Cannes, é, antes de tudo, uma obra feminina. Acredito, inclusive, que muitos homens não entenderão a história como um recorte da condição feminina, calcada no patriarcado opressor, no machismo estrutural, extensivo a toda e qualquer mulher no Brasil (mas não apenas no Brasil) daquela época e, também, dos dias de hoje, mas tão somente como uma banal história particular. Não, não se trata de apenas uma "banal história particular". Trata-se de uma pequena mostra do que é a opressão à mulher, como nossas existências são controladas, corrompidas e ceifadas de acordo com os ditames masculinos. Na narrativa, Guida ousa tomar as rédeas de sua vida nas mãos, e, por isso, é castigada, não apenas pelo pai machista e opressor, mas por tantos outros homens - colegas, amantes, etc - que a humilham e exploram por não se encaixar no padrão pré-estabelecido. Apoio, Guida só encontra em outra mulher, na figura de Filó, num lindo exercício de sororidade na história. Já Eurídice, a qual aceitou o papel que lhe foi imposto pela sociedade, não recebe melhor sorte, pois é, sistematicamente, "calada" pelos homens ao seu redor, os quais lhe roubam sonhos, seu talento, seu futuro, sua vida. Nenhuma das personagens femininas da história sai ilesa dessa realidade machista e opressora - todas, em maior ou menor grau, sofrem as consequências de serem, apenas, mulheres. É um filme doloroso, que precisa ser entendido na sua universalidade. Não vou entrar em spoilers, mas tenho de destacar duas cenas em particular: a cena em que Eurídice perde sua virgindade (ou o quase-estupro de Eurídice) e a cena final com a deusa Fernanda Montenegro (só sua presença na obra já vale 10 ingressos de cinema, por baixo) - grandes chances das mulheres se esvaírem em lágrimas durante o filme e certeza absoluta disto na cena final. A qualidade técnica da obra é inegável e as interpretações são, todas, magníficas, com destaque mais que óbvio para a trinca de atrizes Júlia-Carol-Fernanda. Lindo filme, tristíssimo, deve ser visto. É a aposta do cinema nacional para o Oscar.