Filme do dia (06/2023) - "Antologia da Cidade Fantasma", de Denis Côté, 2019 - Na minúscula e afastada cidade de Irénée-les-Neiges, na Província de Quebec, Canadá, com apenas 215 habitantes, o jovem Simon morre em um acidente de carro em circunstâncias misteriosas. O acontecimento impacta fortemente os habitantes da cidade que, paulatinamente, passam a ter estranhos comportamentos e afirmam vivenciarem inusitadas experiências.
Qual o impacto que o isolamento de uma comunidade tem sobre cada um de seus habitantes? E que experiência poderia tirá-los de um direcionamento certo e esperado? O filme, claramente metafórico, vai trabalhar com a ideia de que uma comunidade isolada e praticamente sem contato exterior funciona como um organismo vivo e, quando um único elemento é eliminado ou tirado de seu eixo, causa interferência direta no todo. A pequena cidade de Irénée-les-Neiges, com apenas 215 habitantes, sobrevive sob evidente torpor, funcionando na mais pura inércia, isolada de tudo e todos. A morte suspeita de um jovem de apenas 21 anos vai abalar toda a comunidade, que, subitamente, passa a não "funcionar" da maneira esperada. Os habitantes, em maior ou menor grau, são arrancados de sua apatia, passam a ter comportamentos estranhos, bem como visões assustadoras relacionadas a pessoas desconhecidas. Por ser uma obra interpretativa, ela está aberta a diferentes leituras - eu, particularmente, interpretei os acontecimentos como uma metáfora da solidão e da letargia que o isolamento causa nas pessoas. As visões, na minha opinião, estariam intimamente ligadas ao vazio e a falta de perspectivas daquelas pessoas - estas seriam como fantasmas, "enterrados" em lugar algum, e as visões seriam um reflexo delas mesmas em um espelho. Os habitantes, como almas penadas, estariam vagando sobre a terra, sem nada que os fizessem sentir vivos. Apesar de ter um forte componente fantástico, não vejo a obra se enquadrando no gênero terror; para mim, o filme encontra-se naquele terreno das obras "mindfuck", e o que tem de sobrenatural está muito mais para o metafísico do que para algo aterrador (ainda que as experiências vivenciadas pelos moradores possam ser, sim, bastante assustadoras). Eu vi um diálogo bem interessante desta obra com outras duas: os filmes "A Ghost Story" (2017) e "Nós" (2019), ambos trabalhando com estas questões metafísicas e divagando acerca de temas como solidão, pertencimento, medo, atemporalidade, continuidade, dentre outros tantos. A narrativa é linear e faz uso de um ritmo bastante lento. A atmosfera é opressiva e, por vezes, bem angustiante (se o espectador "entrar' na história, caso contrário, desconfio que ele somente sentira tédio). Destaco a alternância de planos muito abertos, mostrando um horizonte inóspito, cheio de neve, dando a ideia de solidão e isolamento, com outros bastante fechados, em especial nos rostos dos personagens, causando uma sensação de claustrofobia, opressão e angústia. Algumas câmeras "nervosas", muito mexidas, pontuam a narrativa aqui e ali, como a reação do irmão de Simon à sua morte. A obra evita uma trilha musical muito atuante, dando espaço para silêncios incômodos, seguindo uma tradição europeia de linguagem cinematográfica. O elenco é relativamente grande, abarcando diferentes personagens, mas destaco a presença dos intérpretes Larissa Corriveau como Adèle, Josée Deschênes como a mãe de Simon, Robert Naylor como o irmão do jovem falecido, Diane Lavallée como a prefeita Simone Smalwood, Normad Carrière como Richard e Jocelyne Zucco como Louise. As interpretações são boas o suficiente para não estragar o filme, mas não diria que vi qualquer trabalho extraordinário ali. Eu gostei da obra, principalmente por ela abrir espaço para diferentes interpretações e, assim, fazer a cabeça do espectador "ferver" um pouco, mas não acho que seja filme para todos ou que vá ficar para sempre na memória. É um filme mediano, mas que tem lá sua graça e seu valor. Para quem quer trabalhar um pouco os neurônios.
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