Filme do dia (183/2020) - "As Duas Faces da Felicidade", de Agnés Varda, 1965 - François (Jean-Claude Drouot) é casado com Thérèse (Claire Drouot), possuindo dois filhos em comum. Ele ama perdidamente a esposa e os filhos, o que não o impede de se apaixonar por Emillie (Marie-France Boyer), começando um caso com ela, ainda que continue a amar sua esposa.
Para mim, a melhor definição dessa obra está na palavra "transgressão". Ao retratar o triângulo amoroso entre Thérèse, François e Emillie, Varda adentra a um sólido tabu, o da monogamia compulsória. A obra apresenta uma nova perspectiva de relacionamento, onde o sentimento é priorizado em relação à moral imposta socialmente. Acho absolutamente válida a colocação - quem está dentro do relacionamento que tem de saber o que é válido ou não, o que é melhor para seus integrantes. Apesar disso, admito que duas questões me incomodaram ao longo da narrativa: a primeira, é se o arranjo encontrado pelo casal François e Thérèse teria tido o mesmo impacto se o triângulo partisse de Thérèse e não de François. Em outras palavras, me questiono se o tabu da quebra da monogamia compulsória é tão bem aceita quando parte da mulher da relação, afinal, sabemos que o machismo não aceita muito bem essa mudança de paradigma do homem único. Aliás, me pergunto o porquê de Varda não ter feito exatamente o arranjo H-M-H, sendo, ela, conhecida feminista. Bom, isso jamais saberemos. O segundo incômodo vem do desfecho, que, na minha opinião, foi cruel. Infelizmente, não posso discorrer do motivo de eu achar cruel, pois seria um spoiler imperdoável revelar o que acontece a esse triângulo amoroso. O roteiro desenvolve-se lentamente, tentando revelar as nuances das duas relações, em especial a relação entre François e Thérèse, que ainda abrange os filhos do casal. Tudo é mostrado com bastante sensibilidade, sem nada que demonstre vulgaridade ou displicência. O tempo da narrativa é cronológico e linear e o ritmo é suave, quase lento. A fotografia é bastante colorida, numa paleta de cores que prioriza as cores outonais (amarelo, laranja, marrom, vermelho), em especial nas cenas do bosque - aliás, achei a composição de cores do filme simplesmente deslumbrante. As interpretações são competentes, atentando para o fato de que Jean-Claude, que interpreta François, e Claire, que faz Thérèse, eram, realmente, um casal na vida real, assim como seus filhos em cena eram verdadeiramente seus filhos, o que trouxe às interpretações um tom de reconhecimento confortável. Marie-France Boyer também está bem no papel de Emillie, trazendo quase uma inocência à personagem. É uma obra interessante, sutil, delicada, mas aquelas duas questões já mencionadas não pararam de me atormentar, então não sei dizer, de pronto, se gostei ou não. Por outro lado é um filme bastante sólido. É... recomendo sim.
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