top of page
  • hikafigueiredo

"Através de Um Espelho", de Ingmar Bergman, 1961

Filme do dia (246/2021) - "Através de Um Espelho", de Ingmar Bergman, 1961 - Recém saída de um hospital psiquiátrico e com uma frágil condição psicológica, Karin (Harriet Anderson) vai passar uns dias na praia com Martin (Max Von Sidow) - seu marido -, seu pai (Gunnar Björnstrand) e seu irmão Minus (Lass Passgard). A pretensão de passar dias leves e felizes com a família se esvai com a rápida degradação de sua sanidade mental.





Assistir a qualquer filme de Bergman é sempre um evento que beira o extraordinário. Com suas obras extremamente densas e profundas, o diretor aborda temas filosóficos e questões psicológicas de grande complexidade e é impossível ficar impassível diante de seus filmes. "Através de Um Espelho" não foge à regra. Retratando o esfacelamento psicológico da personagem Karin, a obra aborda, ainda, outros temas caros na filmografia do diretor - as relações familiares tensas e repletas de lacunas, a existência de Deus, a dificuldade de comunicação dos indivíduos, dentre outros. Cada diálogo, cada segundo de história, tem conteúdo suficiente para levar o espectador a horas de reflexão - o que nos remete a quase necessidade de rever os filmes de Bergman muitas e muitas vezes, sempre extraindo novas considerações a cada revisita. Também como é comum em suas obras, este é um filme profundamente sensorial - em outras palavras, é um filme que vai além da reflexão racional, ele nos alcança, também, no nível emocional, despertando uma série de emoções, raras vezes agradáveis. A narrativa é linear e, aparentemente, muito convencional - digo aparentemente, porque há, embutido, enorme conteúdo simbólico, que pode passar despercebido ao espectador mais imediatista. O ritmo é bastante lento e a atmosfera é angustiante, reflexiva e sensível - há uma emergência no ar, sentida não apenas pelos personagens, mas igualmente pelo público. Várias são as cenas em que os personagens se afastam dos demais para poderem vivenciar suas angústias e sua ansiedade, para poderem deixar de fingir uma normalidade falsa, inexistente, e deixar fluir a dor represada. A comunicação truncada, característica da obra bergmaniana, faz-se presente desde os primeiros minutos de filme, lembrando-se de que essa obra faz parte da "Trilogia do Silêncio", do diretor. O próprio ambiente é um reflexo dos personagens, em especial de Karin - tanto o quarto em péssimas condições de manutenção, quanto o barco naufragado na ponta do píer, ambos destruídos, onde Karin vai se refugiar, remetem ao desmoronamento interior dos personagens: Karin, na sua insanidade crescente; os demais, em suas tentativas vãs de parecerem inteiros, íntegros, quando, na realidade, estão todos esfacelados emocionalmente. Visualmente, a obra é belíssima, trazendo a impecável fotografia de Sven Nykvist, eterno parceiro do diretor, cujo trabalho de iluminação e posicionamento de câmera é essencial para a construção de boa parte da atmosfera do filme. Outra característica da filmografia do diretor e que aqui se faz presente é a economia no som - seus filmes privilegiam longos silêncios, descartam boa parte da música incidental, o que leva o espectador a experimentar emoções mais cruas (nada daquela manipulação hollywoodiana que eu detesto) e fazem com que o som ambiente pareça ressaltado, isto é, os poucos ruídos parecem sempre estar em primeiro plano. A edição de imagem é precisa e econômica - não há nenhuma cena desnecessária, não há nada a ser cortado. Quanto ao elenco, Bergman era um exímio diretor de atores e conseguia extrair emoções fortemente reais e marcantes de seus colaboradores. Harriet Anderson está primorosa como a desequilibrada Karin, que, paulatinamente, vai perdendo o contato com a realidade e se deixando levar por sua loucura crescente; Gunnar Björnstrand, de maneira igual, está perfeito como o autocentrado e ansioso pai, que trava uma luta interna entre seu egoísmo e necessidade de reconhecimento de seu talento como escritor e o afeto que sente pela filha em rápido desmoronamento psicológico; Lass Passgard é hábil em transmitir as angústias do jovem personagem Minus, que vivencia a explosão natural de hormônios da adolescência e se incomoda com a proximidade física da bela irmã, com evidente conotação incestuosa (retomada e explorada na cena do barco naufragado); mas é ele, meu ídolo eterno, Max Von Sydow que tem o personagem mais sutil como o marido Martin, absolutamente apaixonado pela esposa que o rejeita e tendo de tomar em suas mãos as piores decisões em face da amada e de seu bem estar - magnífico, sempre magnífico!!!! Claro que a obra dialoga profundamente com outras tantas do diretor, mas ressaltaria o diálogo com "Luz de Inverno" (1963), "Persona" (1966) e "Face a Face" (1976). O filme foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e de Roteiro Original e ao BAFTA de Melhor Filme e Melhor Atriz. A obra é uma potência, extremamente densa e reflexiva. Destaque para a cena final, o diálogo entre Minus e seu pai, uma pontinha de esperança de comunicação plena e da existência de um bem maior. Maravilhoso, recomendo muito!!!!

4 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page