Filme do dia (293/2021) - "Bando à Parte", de Jean-Luc Godard, 1964 - Franz (Sami Frey) e Arthur (Claude Brasseur) são dois contraventores que convencem a estudante Odile (Anna Karina) a participar de um assalto à casa da tia de Odile. Paralelamente, os dois rapazes travam uma disputa sutil pela atenção da bela Odile.

Decidida a conhecer um pouco mais da obra de Godard, um diretor completamente desconhecido para mim, resolvi incursionar por um filme considerado bem simples de digerir. A história trata da impulsividade juvenil, dos amores fluídos da juventude, da imaturidade, liberdade e descomprometimento dos jovens, tudo através de um pequeno fragmento de vida de três amigos, todos flertando com o perigo e a criminalidade. De um lado temos Franz e Arthur, dois rapazes com alguma vivência no mundo criminoso, ainda que se mostrem transgressores bastante amadores; do outro, temos Odile, uma moça ingênua que se envolve com os dois amigos e é convencida a colaborar com o assalto à casa dos tios, evidentemente fascinada pelo estilo "badboy" dos rapazes. Muito embora os jovens planejem o roubo, o espectador percebe, desde o início, que a ação será marcada pela impulsividade do trio e sem qualquer organização, para desespero de Odile, que teme pela segurança de seus tios. No fundo, tudo parece uma brincadeira aos três jovens que, paralelamente, vivenciam um nada sutil triângulo amoroso. A narrativa é linear, em um ritmo marcado. A atmosfera é de irresponsabilidade e liberdade - os três jovens estão livres de amarras e seguem soltos pela vida. O roteiro tem, sem dúvida, um fio condutor claro, o que não o impede de, por vezes, escapar do caminho e, como os personagens, "flanar" livremente, saindo do caminho mais óbvio para apenas retornar mais tarde. Formalmente, a obra tem laivos de ousadia, mas se mantém dentro de uma faixa de segurança, isto é, contém um pouco sua clara vontade de ousar, mantendo a narrativa bastante próxima daquela mais convencional. Assim, em meio à linguagem cinematográfica tradicional, surge uma cena como a do metrô, que se "descola" das demais e "se permite" - Anna Karina, na pele de Odile, canta uma música que atravessa aquela realidade ficcional, "cresce" para outros espaços, sai da música diegética para se tornar incidental, ao mesmo tempo em que a personagem quebra a quarta parede, olha diretamente para o espectador e o desafia, tornando a cena, sozinha, memorável. É como se Godard dissesse - "olha, eu estou comportadinho aqui no caminho mais convencional possível porque eu quero, mas se me der vontade, eu saio completamente do script e faço de outro jeito!". Outras cenas que merecem destaque são a do Louvre - lindamente lembrada e revivida em "Os Sonhadores" (2003), de Bernardo Bertolucci - e a do assalto, extremamente dramática para mim (nessa última cena existe uma informação que é passada por uma breve imagem e que modifica toda a história... eu achei maravilhoso como o diretor passou a informação sem dizer nada, mas é uma pena que eu não possa falar muito a respeito para não incorrer em spoiler!). O elenco é formado por Sami Frey como o delicado Franz e Claude Brasseur como o violento Arthur - ambos são bem pontuais em seus personagens e conseguem trazer, para o espectador, suas características mais marcantes; mas é a musa do diretor (e sua esposa na época), a maravilhosa Anna Karina, quem rouba a cena como Odile. A personagem é evidentemente ingênua, romântica, doce, mas, ao mesmo tempo, fascinada pela aventura, pelo perigo e pela adrenalina que eles proporcionam - e Anna Karina a interpreta lindamente, com seus brilhantes e expressivos olhos. Eu confesso que esperava uma obra mais sensorial, mais intimista, sendo pega de surpresa por um filme até que bastante comercial e convencional. Não diria que amei a obra, mas também não cheguei a desgostar - acho que apenas não bateu com as expectativas -, mas, certamente, é um filme ótimo e que vale muito a pena conhecer. Recomendo.
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