Filme do dia (32/2023) – “Beau tem Medo”, de Ari Aster, 2023 – O problemático Beau (Joaquin Phoenix) precisa viajar para a casa de sua mãe Mona (Patti LuPone), mas um sem-fim de acontecimentos atrasam sua partida, transformando a viagem em uma trágica epopeia.

Jesus... que filme difícil de definir e lidar. Antes de qualquer coisa, a obra é bem complexa, pois não pode ser compreendida de maneira literal, mas como um filme em que os acontecimentos devem ser entendidos como representações de emoções e sentimentos, como uma forma de acessar sensações bastante profundas e ancestrais. A obra é uma grande, gigantesca, agonia, um pesadelo que não acaba, onde o protagonista – e junto com ele, o espectador – vivencia, umas após as outras, situações-limite, medos terríveis, dilemas morais, contradições insuportáveis. O resultado é que a obra arranca do público sentimentos que dificilmente acessaria através de uma história convencional. A narrativa, em si, trata de temas como narcisismo, culpa, medo, manipulação, dependência emocional, crueldade psicológica, maternidade, poder econômico e controle, tudo em doses cavalares. A atmosfera geral é de insegurança constante, de tensão, de um verdadeiro terror, um medo que advém não de coisas sobrenaturais, mas de realidades emocionais bastante terrenas e comuns. Há situações de humor ácido, mas o riso que surge não é relaxado, é um riso tenso, incômodo, doloroso. Acredito que quem conseguir se conectar com a obra, entendendo-a como não literal, acessando seu caráter sensorial, a achará profundamente desconfortável – e tenho certeza de que foi exatamente essa a intenção do diretor. A narrativa é não linear, confusa, em ritmo alucinante e constante. Há diversos momentos em que o filme parece que vai chegar ao clímax final, o que simplesmente não acontece – Ari Aster estica, ao limite máximo, essa agonia emocional em que o protagonista e o espectador são lançados. Pesadelo define. Tecnicamente, o filme é primoroso. Boa parte da capacidade sensorial da obra surge do magnifico desenho de produção – o espectador é bombardeado constantemente por infinitas informações visuais, é impossível conseguir “digerir” tudo o que aparece na tela, o que gera um sentimento de ansiedade, uma sensação de estar perdendo o controle, algo bem semelhante ao que imagino seja o sentimento do protagonista. A edição de som segue a mesma lógica – por vezes muita informação sonora, por outras, um silêncio incômodo, invasivo. A fotografia encaixa-se perfeitamente nesse caos visual através de muitas câmeras em movimento e planos bem abertos, “abraçando” o máximo de informação possível. E temos as interpretações perfeitas, tanto do elenco principal, quanto do elenco de apoio. Joaquin Phoenix dispensa comentários – enorme ator que é, consegue transmitir toda a estupefação do protagonista diante do vórtex emocional no qual é jogado, sua tentativa vã em encontrar lógica, manter algum controle de si e dos acontecimentos caóticos; Patti LuPone também mostra a que veio como a megera Mona – seu controle absoluto de cena me lembrou o trabalho de Toni Collette no excelente “Hereditário” (2018), também de Ari Aster e ausência incompreensível no Oscar (2019); Parker Posey interpreta Elaine adulta, Amy Ryan faz a personagem Grace, Kylie Rogers interpreta Toni, Nathan Lane, o personagem Roger, e Stephen Henderson, o terapeuta. Destaque para Armen Nahapetian que interpreta Beau jovem e que é intrigantemente parecido com Phoenix (por mais que neguem, tenho certeza de que há um trabalho de CGI ali, não é possível...). Para mim, o filme traça um diálogo potente com as obras “Mãe!” (2017) e “A Casa que Jack Construiu” (2018), ambos extremamente perturbadores e desconfortáveis e igualmente sensoriais e não literais. Olha... há que se estar aberto à experiência para curtir o filme. Confesso que, num primeiro momento, ele não me agradou, mas depois de trabalhar minhas emoções, acabei com uma opinião positiva da obra. Continuo achando Ari Aster um diretor fantástico, sem erros. Recomendo para os dispostos de plantão.
Comments