Filme do dia (160/2021) - "Big Jato", de Cláudio Assis, 2015 - O adolescente Francisco (Rafael Nicácio), morador da pequena cidade de Peixe de Pedra, no interior do Nordeste, vê-se dividido entre o pai Francisco (Matheus Nachtergaele), um homem simples e rude, condutor de um grande caminhão-pipa utilizado para limpar fossas sépticas, e o libertário tio Nelson (Matheus Nachtergaele), apresentador de um programa na rádio local. Na passagem para a vida adulta, Francisco precisará decidir se seguirá ou não seu sonho de ser poeta.
Sou grande fã do trabalho do fantástico diretor Cláudio Assis. Como poucos, ele perscruta a crueza da vida real, sem pintar, com cores inexistentes, a realidade do mundo. Nessa obra, Cláudio Assis abandona os assuntos mais pesados e violentos que marcaram os ótimos "Amarelo Manga" (2002) e "Baixio das Bestas" (2006) para tratar do universal tema da passagem da infância para a vida adulta. O personagem Francisco chegou a uma encruzilhada e ele precisa decidir que rumo tomar - se a áspera vida de trabalho braçal, opção abraçada por seu pai Francisco, homem honesto, porém rude e ignorante, ou se segue seu sonhos, que inclui a poesia e a esperança de alçar voos maiores, isso incentivado por seu tio Nelson. Como em "Febre do Rato" (2011), o diretor coloca a figura do poeta como a de maior rebeldia - nada seria mais subversivo, ousado e revolucionário que extrair poesia das agruras da existência e, assim, ninguém seria mais insubmisso à realidade que aqueles que ousam ver beleza onde ela pouco existe. Se o poeta - sonho de Francisco filho - é o ser mais insurreto, o oposto, a figura mais resignada, seria aquela que acata, sem qualquer revolta, a realidade imposta - que, no caso de Francisco, é, literalmente, a merda, no trabalho insalubre de seu pai, de limpeza de fossas sépticas. Não é nem um pouco sutil essa relação entre vida prática e merda na narrativa - aliás, o termo "merda" é mencionado mais vezes no filme que "fuck" em um filme do Tarantino rs - claro que o diretor não ia deixar de colocar, em algum lugar de sua obra, alguma coisa incômoda para o público, no caso, o assunto recorrente relacionado a dejetos e defecação (eu admito que achei graça nisso, pois não me sinto incomodada com o tema, mas sei de um monte de gente que se incomodaria sim). A narrativa é linear, em um ritmo calmo, mas não lento em excesso. A atmosfera é de novidade, descoberta, pois seguimos os olhos do protagonista Francisco. Como em outros filmes do diretor, temos cores muito marcadas, bem saturadas e vibrantes. A câmera é ousada, observa as cenas de ângulos incomuns, passeia pelo espaço sem qualquer pudor, como na cena em plongée absoluto que atravessa de um cômodo a outro, ignorando paredes. No elenco, duas feras: Matheus Nachtergaele interpreta dois personagens absolutamente díspares - Francisco pai e Nelson. Ator excepcional, Nachtergaele consegue dar ao espectador a impressão de serem realmente duas pessoas - ainda que sejam irmãos, Francisco e Nelson não tem nada em comum além da aparência. Como esposa de Francisco, a reverenciável Marcélia Cartaxo, maravilhosa como sempre! No papel de Francisco filho, o protagonista, Rafael Nicácio não alcançou tudo o que o personagem exigia - o rapaz não tem dificuldade nas cenas menos intensas, mas, quando o tom sobe e o ator precisa demonstrar emoções mais punjantes, enérgicas, a coisa muda de figura e a inexperiência de Nicácio fica evidente - na cena em que há um confronto com o pai, que deveria ser o clímax do filme, o desequilíbrio entre Nicácio e Nachtergaele é o que impera. Não é um cena muito importante, mas destaco a sequência do ataque de fúria da esposa de Francisco - Márcelia Cartaxo dando show!!!! Destaque também para a presença de Jards Macalé como personagem Príncipe. O filme é bem legal, ainda que não seja minha obra predileta de Assis. De qualquer modo, vale assistir.
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