Filme do dia (373/2020) - "Céu e Inferno", de Akira Kurosawa, 1963 - Kingo Gondo (Toshiro Mifune) é o alto executivo de uma grande empresa de calçados. Prestes a comprar ações suficientes para se tornar o acionista majoritário, Gondo recebe a notícia de que seu filho fora sequestrado e que o raptor exige uma fortuna que significará sua completa falência. Decidido a salvar seu filho a qualquer custo, Gondo terá uma surpresa que fará com que ele tenha de tomar uma difícil decisão moral.
Baseado em uma novela policial norte-americana de Ed McBain, o filme é dividido em três diferentes momentos, bastante distintos entre si. No primeiro, que aqui funciona quase como um prólogo, temos a discussão entre Gondo e os demais dirigentes da empresa, ocasião em que o espectador fica sabendo que o protagonista pretende dar uma cartada decisiva pelo poder dentro do negócio e que, por isso, fez um altíssimo empréstimo para comprar a maioria das ações. O arco é curto, mas tem a função de situar o espectador quanto a delicada situação financeira de Gondo. No segundo momento, temos o sequestro em si, que traz, em seu corpo, um plot twist que muda completamente o significado da conduta criminosa e lança o protagonista em um dificílimo dilema moral - essa reviravolta merecia uma análise mais aprofundada, até porque a questão ética envolvida é essencial à narrativa, mas isso seria um spoiler imperdoável e estragaria completamente a brincadeira do amiguinho, motivo pelo qual ficarei por aqui. Nesse arco temos um trabalho de direção de Kurosawa quase humilhante de tão perfeito - limitados à ampla sala de estar da residência de Gondo, todos os personagens envolvidos movimentam-se como em uma coreografia, aproximando-se ou se afastando do protagonista à medida em que ele pende para uma ou outra das soluções possíveis. O terceiro momento envolve a investigação realizada pela polícia após o deslinde do sequestro, oportunidade em que o filme ganha realmente ares de novela policial. Aqui há uma mudança quase chocante de ritmo e estilo, o que não quer dizer que o diretor tenha sido menos que perfeito. Ao longo da narrativa, temos uma discussão acerca dos contrastes sócio-econômicos entre as classes abastadas e a população miserável - tenho de confessar que não ficou muito claro para mim o que o autor da novela quis dizer com o confronto entre esses dois pólos da sociedade e qual foi sua intenção ao retratar os personagens representantes dos dois extremos como retratou (não posso revelar muito por conta dos spoilers), mas assumo que não gostei muito do que intui e tive a sensação de estar vendo um tom meio determinista na obra (mas, como eu disse, não ficou muito claro para mim). A narrativa é linear, o ritmo é crescente e a atmosfera é de tensão. A fotografia P&B é suave, sem grandes contrastes e a direção de arte é primorosa ao evidenciar as diferenças entre os ambientes refinados e o caos reinante entre os miseráveis. O elenco, enorme, é encabeçado pelo genial Toshiro Mifune como Gondo, mas traz, ainda, atores ótimos como Tatsuya Nakadai, Yutaka Sada, Takashi Shimura e Tsutomo Yamazaki; como única atriz da história, Kyoko Kagawa reina solitária como Reiko, esposa de Gondo. Não vou rasgar mais seda para o Toshiro Mifune para não me repetir, mas sua interpretação mantém-se naquele nível que só ele é capaz (mentira, vou rasgar toda a seda do mundo!!! rs), em especial no segundo arco. O filme é ótimo, me prendeu desde os primeiros minutos e eu curti demais. Mestre Kurosawa jamais decepciona!!!! Recomendo!!!
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