Filme do dia (48/2024) – “Capitalismo: Uma História de Amor”, de Michael Moore, 2009 – EUA, 2008. Uma crise financeira global atinge em cheio a economia estadunidense. Milhares de empresas fecham as portas, centenas de milhares de trabalhadores são demitidos e despejados, pois à crise financeira soma-se uma crise imobiliária. Mas, uma elite financeira permanece distante deste pesadelo e continua somando lucros às suas gordas contas bancárias. Neste panorama, o documentarista Michael Moore discute o papel do capitalismo na pauperização da população enquanto a riqueza continua a se concentrar nas mãos de poucos.
Michael Moore é conhecido por fazer documentários provocativos, irônicos e sempre bastante críticos. Não obstante, por vezes, o diretor exagere, resvale para teorias da conspiração, faça uso de alguns conceitos equivocados e conduza seus filmes por caminhos tortuosos, sou bem convicta de suas boas intenções em alertar e abrir os olhos dos espectadores para questões bem complexas e delicadas da sociedade e da economia, principalmente das estadunidenses. Aqui, como já fizera em “Roger e Eu” (1989), Michael Moore atem-se às mazelas do capitalismo, apontando, com humor ácido e ironia, para todos aqueles “probleminhas” do capitalismo que economistas, políticos e pensadores de esquerda gritam a plenos pulmões e que o pessoal mais à direita se nega a ouvir. Como em outros filmes, o diretor vai desfiando casos concretos e reais, ligando umas questões às outras em uma contínua linha de raciocínio que pode até se perder um pouco no caminho, mas que sem dúvida evidencia o quanto o capitalismo é bastante nocivo para a maior parte da população geral, inclusive dos egocêntricos e inflados estadunidenses. Ao assistir a essa obra, o espectador tem a prova indiscutível de que o capitalismo só é bom mesmo para uma ínfima minoria e que mesmo a deslumbrada classe média é constantemente empurrada para o fundo do poço, de forma que a tendência é o empobrecimento da maioria em prol de meia dúzia de gatos pingados. Explicando de forma simples – possivelmente de uma maneira até pueril e superficial – Moore trata da crise financeira de 2008, passando pelas demissões em massa, pelo enfraquecimento dos sindicatos, pelo achatamento dos salários, por formas completamente antiéticas que algumas empresas encontraram para lucrar com seus próprios funcionários, pela crise imobiliária estadunidense, pelo início de um levante popular nos EUA, dentre outros. Trata, ainda, do reflexo político da crise, discutindo a transição do governo de George W. Bush para o de Barack Obama. Mesmo tratando de um assunto sério, o diretor insere inúmeras passagens verdadeiramente cômicas e debochadas no filme – como na cena em que ele circula um grande banco com uma fita amarela dessas usadas pelas polícias onde está escrito que ali foi cometido um crime, enquanto fala, por um megafone, para os executivos daquela instituição financeira descerem porque todos participaram de tal crime. Okay, Moore até pontua problemas do capitalismo, mas contrapô-lo corretamente a outros sistemas econômicos possíveis seria “too much” para o público médio estadunidense – evidente que Moore não defende, por um segundo sequer, qualquer coisa que remeta aos ideais de esquerda e tocar no termo “socialismo” então, nem pensar. O diretor acaba contrapondo capitalismo (um sistema econômico) à democracia (um regime político), numa conta que evidentemente só fecha na cabecinha obtusa do estadunidense médio. Assim, ainda que existam conceitos extremamente equivocados no filme, vejo com simpatia os podres capitalistas apontados e penso a ginástica que os defensores deste sistema têm de fazer para defendê-lo. Gostei também de o diretor rebater aquela célebre frase “no capitalismo você é livre para escolher seu caminho”, mostrando que quem está na base da pirâmide não tem escolha alguma pois só tem tempo e energia para sobreviver (e olhe lá). O filme busca sensibilizar os espectadores para estas questões complicadas do capitalismo usando de humor e ironia e sem tentar dar uma aula muito profunda com termos complicados e às vezes até herméticos (cômico os economistas tentando definir os que são “derivativos”). Enfim... não substitui livros, nem informações profundas, mas não deixa de ser um jeito de “cutucar” quem finge não ver os podres do capitalismo. É, no mínimo, divertido. Concorreu ao Leão de Ouro no Festival de Veneza (2009). Infelizmente não está disponível em streaming (eu vi em mídia física).
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