Filme do dia (224/2020) - "Deslembro", de Flávia Castro, 2018 - 1980. Após anos de exílio com sua mãe e irmãos na França, Joana (Jeanne Boudier) é obrigada a retornar para o Brasil. Na bagagem, as poucas memórias que lhe restam de seu pai, um desaparecido político dos anos de chumbo da ditadura.
Nesse belíssimo filme temos uma pequena mostra da herança da ditadura para aqueles que mal a viveram, como os filhos de desaparecidos e exilados do regime. A personagem Joana pouco se lembra da época em que vivia no Brasil com seus pais, ambos integrantes de um grupo de resistência ao regime militar. Ao voltar para o país, contrariada de ter de largar a pátria adotada, pequenos fragmentos de lembranças voltam para atormentar a adolescente. A narrativa discorre, assim, acerca de temas como memória, culpa, medo, dúvida, ao mesmo tempo em que mostra a protagonista lidando com a adolescência, as descobertas e as inseguranças juvenis. É uma obra delicada, cheia de pequenas sutilezas, muito bem dirigida pela diretora Flávia Castro. A narrativa tem fluência, brinca com o tempo presente e as memórias da personagem Joana, e apresenta um ritmo relativamente lento. A bela fotografia tem a mão de Heloisa Passos (na minha época de faculdade, só existiam duas assistentes de câmera do sexo feminino, a "Katinha" e a Heloisa, e todas as garotas que sonhavam em ser fotógrafas reverenciavam as duas por serem a resistência no machista ambiente da fotografia cinematográfica). O filme tem uma trilha sonora bacana e bem variada, que vai de Noel Rosa e Caetano Veloso a Lou Reed e The Doors. Gostei demais da interpretação da atriz Jeanne Boudier - super natural, atuando em três idiomas (português, francês e espanhol), ela está maravilhosa como a confusa Joana, além de ser uma graça; também me impressionou o trabalho das crianças que interpretam os dois irmãos de Joana, Paco e Leon, respectivamente, Arthur Raynaud e Hugo Abranches, ambos também falando em três idiomas e igualmente competentes. A mãe dos meninos é interpretada por Sara Antunes, bem no papel, acaba um pouco ofuscada por Jeanne. Eliane Giardini, sempre ótima atriz, interpreta a avó da jovem. Praticamente sem aparecer em cena, o pai da protagonista é interpretado pelo maravilhoso Jesuíta Barbosa (fã total desse homem!!!). O filme é bem consistente, tem uma poesia sutil e eu gostei bastante. Recomendo para quem gosta de cinema nacional.
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