Filme do dia (28/2023) – “Eu, Minha Mulher e Minhas Cópias”, de Harold Ramis, 1996 – O arquiteto Doug Kinney (Michael Keaton) encontra-se sobrecarregado: o trabalho lhe toma todo o tempo e o pouco que lhe resta é usado com sua esposa e filhos. Doug sente falta de um tempo para si e irrita-se com as constantes cobranças de Laura (Andie MacDowell), sua esposa, e de seu chefe. Quando um cientista lhe oferece a possibilidade de criar um clone exato de si, Doug abraça com fervor a ideia, sem pensar no que isso poderia acarretar.
Comedinha romântica sem grandes consequências, o filme é interessante por retratar o quanto o sistema capitalista e tudo que lhe vem a reboque consome do trabalhador, na conhecida “máquina de moer gente”. Também retrata o velho esquema capitalista em que a mulher, em posição de submissão, fornece a mão de obra gratuita que propicia aos homens a possibilidade de se dedicarem cem por cento ao trabalho externo, despojando-se do trabalho doméstico e do cuidado com os filhos. Mesmo com o suporte dado por sua esposa, o protagonista encontra-se sobrecarregado por seu trabalho e ainda sofre as cobranças de Laura que – com toda a razão – não quer se limitar a ser uma dona de casa e mãe de família em tempo integral. Achei bacana também que o filme mostra a dificuldade encontrada pelas mulheres para quebrarem esse paradigma e retomarem suas vidas e histórias em suas mãos, em especial por se depararem com a lenda de que “as mulheres são mais aptas a cuidar da família e do lar” – bullshit!!!! A obra entrega, ainda, um retrato interessante do machismo estrutural a que todos nós estamos sujeitos – Doug é um sujeito bacana, que ama verdadeiramente sua esposa, mas que sente extrema dificuldade em reconhecer e abrir mão de seus privilégios masculinos, como, por exemplo, não realizar tarefas domésticas (já que existe o cargo de esposa para fazer isso), e, quando cobrado, não consegue lidar com essa demanda. Apesar de supostamente inocente e bobinha, a obra acaba tocando em uma série de temas de extrema importância acerca da nossa existência em sociedade, em geral, e da vida de um casal, em particular. Claro que a obra também parte de pressupostos absurdos – como a hipótese da clonagem humana como mero “xerox” exato e imediato de alguém, mas esse é mote que dá graça à história e que possibilita todas as confusões em que nosso protagonista se mete ao longo da narrativa. O filme, obviamente, é super comercial e, como tanto, é completamente convencional no que tange à forma e à linguagem. O elenco traz o ótimo Michael Keaton super à vontade no papel cômico do indivíduo à beira de uma estafa e Andie MacDowell, uma quase musa de comédias românticas, como a esposa cansada da vida de “bela, recatada e do lar”, louca para retomar sua existência na sociedade – ambos estão perfeitos em seus papeis. Cabe comentar que Michael Keaton interpreta diferentes “Dougs”, pois suas ”cópias” são fisicamente idênticas, mas acabam expondo diversas facetas do “Doug original” – do “hetero-top-macho-alfa” ao homem sensível e afeminado (acho que isso poderia dar uma boa discussão acerca de papéis de gênero na sociedade). O filme é divertido e rende algumas boas risadas, além de abrir espaço para algumas divagações interessantes e sérias acerca de capitalismo, questões de gênero e relacionamentos amorosos. Boa pedida.
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