"Filhas, Esposas e Uma Mãe", de Mikio Naruse, 1960
- hikafigueiredo
- 12 de dez. de 2021
- 2 min de leitura
Filme do dia (362/2021) - "Filhas, Esposas e Uma Mãe", de Mikio Naruse, 1960 - Após ficar, subitamente, viúva, Sanae (Setsuko Hara) retorna para a casa de sua mãe e passa a morar com ela, seus irmãos e sua cunhada, causando desconforto com a situação.

Essa sensível obra discorre sobre temas caros ao cinema japonês: as relações familiares, o respeito às tradições e o conflito entre antigos padrões de comportamento e as novas conjunturas sociais. Na sociedade japonesa, era uma tradição que os pais idosos morassem com seus filhos casados e fossem cuidados por eles e suas esposas. No entanto, quando as mulheres japonesas começaram a se inserir no mercado de trabalho, bem como passaram a ter alguma voz dentro das relações matrimoniais, essa tradição começou a ser questionada e foi colocada em xeque. O filme retrata algumas questões pertinentes ao assunto, bem como outras conexas, como a relação entre irmãos, os casamentos arranjados e o sacrifício de interesses próprios em prol da família. É uma obra delicada, que possibilita que um estrangeiro veja como se davam essas relações familiares de dentro de uma família japonesa na década de 50/60. Há um diálogo bem interessante entre este filme e os fantásticos "Era Uma Vez em Tóquio" (1953), "Dias de Outono" (1960) e "A Rotina tem seu Encanto" (1962), todos do mestre Yasujiro Ozu. A história é mais dinâmica que a média dos filmes orientais da época - em especial, daqueles que tratam destas relações domésticas e cotidianas - em parte por trazer muitos personagens que se inter-relacionam. O foco principal fica por conta da personagem Sanae, a viúva que, contrariando as tradições, é dispensada de cuidar dos sogros e acaba retornando à casa materna, onde passa a conviver com os irmãos. Nessas relações fraternas, é possível perceber que Sanae é a única verdadeiramente apegada às tradições (inclusive é a única que sempre usa quimono, enquanto os demais vestem roupas ocidentais) e a que mais sente o esfacelamento das relações familiares quando ocorre um evento com consequências para todos (sem spoilers). O roteiro é bem desenvolvido, consegue dar conta das muitas histórias paralelas, mas demorei um pouco para entender quem era quem na história (quais personagens eram filhas, quais eram noras, quem era casado com quem, etc.). A narrativa é linear, num ritmo moderado para o cinema ocidental, mas bem dinâmico para um filme japonês da época. Formalmente, é uma obra bem convencional, que pouco difere de qualquer filme hollywoodiano clássico. A fotografia colorida é suave, pouco contrastada e com cores pouco saturadas. A direção de arte privilegia tons suaves e neutros e delimita bem os personagens em mais ou menos ocidentalizados - os personagens mais idosos e Sanae são claramente mais tradicionalistas quando comparados aos mais jovens. No elenco, a musa suprema de Ozu, Setsuko Hara, maravilhosa como sempre, no papel da delicada Sanae, foco central da história. Outros intérpretes de renome compõem o elenco: Hideko Takamine, Masayuki Mori, Haruko Sugimura e até mesmo Chishu Ryu numa micro ponta. Filme lindíssimo e tocante, recomendo para quem gosta de cinema do cotidiano.
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