Filme do dia (247/2020) - "Havaí", de George Roy Hill, 1966 - EUA, 1829. O reverendo Abner Hale (Max Von Sydow) se candidata para ser missionário no Havaí no intuito de converter ao cristianismo a população nativa. No entanto, sua congregação lhe impõe, para a ida, que case-se antes de partir, oportunidade em que a jovem Jerusha (Julie Andrews) lhe é apresentada, cativando imediatamente o pastor.
Com um elenco peso pesado, o filme discorre sobre o choque cultural entre povos diametralmente opostos. De um lado, temos a cultura ocidental cristã, capitaneada pelo obstinado Reverendo Hale, um homem severo, que leva as escrituras ao pé da letra e disposto a tudo para converter novas almas para sua fé; de outro, o povo havaiano, com costumes livres e religião politeísta, comandados por Malama Kanakoa. O que se segue, aos olhos contemporâneos, é um terrível show de aculturação e destruição de um povo pela mão dos cristãos. Claro que, no próprio filme, há uma crítica feroz à forma como Hale comanda sua igreja, com seu deus cristão de ira, vingança e culpa; mas, na realidade, a própria conversão já me aparenta abominável, coisa que não se discute ao longo da obra. É doloroso ver, ao longo dos anos, os nativos se cobrindo de roupas e se apropriando de costumes e valores ocidentais, muito embora exista resistência quanto à modificação de parte de sua herança cultural - como o casamento entre irmãos ou a liberdade sexual (para desgosto e desespero de Hale). O filme retrata esse choque cultural com maestria, com evidente simpatia pelo povo local. A narrativa é segura, linear e bastante tradicional. O ritmo é moderado, mas no padrão dos filmes da época. A obra se constrói em cima dos personagens Hale, Jerusha e Malama. Destes, o destaque fica por conta do personagem Hale por ser a figura mais controversa deles. Hale desperta no espectador sentimentos bastante contraditórios pois, por mais horrível que seja em boa parte do tempo, nós sabemos que ele acredita realmente que está trazendo a luz para os nativos. Ele crê em seu deus de forma quase fanática e passa por cima de seus próprios sentimentos por causa de sua fé. Não são poucas as passagens em que ele desperta nossa raiva; em outras, a gente quase morre de pena dele, pois ele vai sofrer muito ao longo da história. Já Jerusha é uma personagem bem mais maleável e compreensiva. Ela entende as diferenças culturais entre seu povo e os nativos e respeita seus costumes, enquanto entende seu deus cristão como um deus de amor e compreensão. Malama, por fim, representa a resistência - ainda que acate parte do cristianismo, no íntimo ela ainda crê nos seus deuses e rituais. O contraste está presente não apenas na história - visualmente há uma mudança do começo para o fim do filme: o início é marcado por muita luz, tudo muito colorido, cores saturadas; no fim há certa monocromia na imagem. Mas, impossível falar do filme e não destacar o trabalho espetacular dos atores. Julie Andrews está ótima como Jerusha (ainda que eu nunca consiga deixar de ver a Maria de "Noviça Rebelde" nela); Jocelyne LaGarde está maravilhosa como Malama, tanto que foi indicada ao Oscar de Atriz Coadjuvante pelo papel em 1967; Richard Harris e Gene Hackman são sempre muito bons e aqui não foi diferente, o primeiro como o personagem Capitão Rafer e o último como o Doutor John Whipple. Mas acima de todos estes está ele, um dos maiores atores de todos os tempos, Max Von Sydow (siiiiim, sou fã, fanzaça dele!!!) - ele consegue trazer a Hale toda a contradição e tragédia que o personagem exige, tornando-o complexo, robusto, humano ao extremo. A obra é ótima, muito por conta de seus interpretes e vale a visita.
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