Filme do dia (120/2018) - "Mouchette, a Virgem Possuída", de Robert Bresson, 1967 - Mouchette (Nadine Nortier) leva uma vida difícil e quase miserável. Com a mãe gravemente enferma, Mouchette precisa cuidar do irmão ainda bebê, sendo constantemente maltratada pelo pai e pela professora. Ao se perder no bosque e ser encontrada por um caçador, Mouchette é envolvida em um crime e torna-se álibi do suposto criminoso.
O filme, considerado uma obra prima do diretor e do cinema, é a versão cinematográfica do livro de Georges Bernanos e expõe, em forma de imagens, o sofrimento como uma espécie de predestinação. Mouchette é praticamente uma mártir e sua vida é insuportável. Ela é tratada, na vila onde vive, como uma pária e jamais recebe qualquer forma de afeto ou acolhimento. Incompreendida, destratada ou, por vezes, ignorada, Mouchette desenvolve, como forma de defesa, uma profunda mágoa de todos ao redor e, sempre que tem oportunidade, vinga-se daqueles que lhe impõem tanto sofrimento. Os moradores da vila, por sua vez, são incapazes de ter qualquer empatia pela garota e não tem qualquer pudor em tratá-la de forme cruel, a despeito da vida já tão sofrida e miserável que a jovem leva. Qualquer tentativa de Mouchette de sair dessa espiral de dor é frustrada - daí a ideia de predestinação, uma vez que a menina parece marcada para sofrer, qualquer que seja sua ação. A obra é profundamente pessimista, não oferece saída ou qualquer forma de redenção - não é um bom filme para se ver em momentos de depressão. O ritmo é lento, pausado (veja bem, é "lento francês", não "lento oriental", há grande diferença rs). A atmosfera é pesada e dá certa sensação de claustrofobia, não física, já que a personagem é livre para ir e vir, mas psicológica, advinda dos grilhões invisíveis que prendem a menina à infelicidade. O filme tem uma bela fotografia P&B contrastada. Logicamente, o destaque fica por conta da atriz Nadine Nortier, capaz de expor os olhos mais frios e rancorosos que eu me lembro de já ter visto em tela, um verdadeiro ódio no olhar, perfeito. Não desprezo a aura de obra prima do filme, mas, por algum motivo que eu não sei explicar, não fui arrebatada por ele, não rolou conexão e eu, sempre tão empática com os personagens, não consegui me envolver com Mouchette e não rolou uma experiência emocional/sensorial com a obra (o que, admito, pelo valor do filme, acabou me causando uma profunda frustração). Até por ser um clássico e independente da minha experiência pessoal em relação à obra, defendo que o filme deve ser visto.
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