- hikafigueiredo
"Mudbound - Lágrimas sobre o Mississipi", de Dee Rees, 2017
Filme do dia (11/2019) - "Mudbound - Lágrimas sobre o Mississipi", de Dee Rees, 2017 - EUA, década de 1940. Laura (Carey Mulligan) e Henry (Jason Clarke) se casam e, após alguns anos, mudam-se para uma fazenda no Mississipi. O local é habitado há muitos anos pela família Jackson, arrendatária de parte das terras, que é obrigada a ajudar no plantio e colheita da parcela dos proprietários. A amizade entre Jamie (Garrett Hedlund), irmão de Henry, e Ronsel (Jason Mitchell), um dos filhos da família Jackson, esbarrará no racismo existente naquela região.

O filme é mais um daqueles que denunciam o racismo existente desde tempo imemoriais no estado do Mississipi, sem, no entanto, fechar unicamente nesta questão - e talvez esteja justamente nisso certa fragilidade da obra, pois, ao optar por diluir o tema entre outros, acaba perdendo força e abrindo questões que, por fim, não se resolvem ao longo da narrativa. O filme se desenvolve à partir da narração em off das memórias dos diversos personagens - em cada trecho, cada personagem narra, em primeira pessoa, reminiscências daquela época, o que possibilita ver os acontecimentos sob diferentes ângulos. Na minha opinião, as narrações dos integrantes da família Jackson são muito mais interessantes, pois são aquelas que propriamente focam na questão do racismo. Uma faceta que eu achei bem interessante é que o filme mostra tanto o racismo evidente - aquele que segrega assumidamente e que explode em violência direta contra os negros - quanto o sutil, quase imperceptível - como a exigência de que Florence (Mary J. Blige), mãe dos Jackson, trabalhe na casa dos patrões para ajudar Laura com as filhas (ela não é ostensivamente obrigada a trabalhar para Laura, mas não existe qualquer espaço para que ela se negue a isso). Por outro lado, acho que a obra abre questões - como, por exemplo, nuances do relacionamento de Laura e Henry, ou, ainda, a natureza da relação de Jamie com Laura - que, posteriormente, são simplesmente colocadas de lado, não chegando a lugar algum. Apesar do abandono de temas e da não resolução de alguns assuntos, a obra, no todo, desenvolve-se bem e tem mais pontos positivos do que negativos. Na parte técnica, há que se ressaltar a extraordinária fotografia do filme, capitaneada por Rachel Morrison (direção de fotografia encabeçada por mulher é tão raro quanto ganhar na loteria, pois é o nicho mais machista do cinema). As interpretações dos atores/atrizes também são fora de série e destaco, principalmente, as atuações dos personagens da família Jackson: Mary J. Blige, fantástica, consegue interpretar uma Florence forte, porém resignada com sua condição de mulher negra segregada e explorada - seu semblante sério e pesado, seu olhar expressivo, tudo é milimetricamente colocado na personagem; Rob Morgan, no papel do pai negro Hap, da mesma forma, traduz, no olhar, todo o peso da opressão ancestral que sua família sofre; e Jason Mitchell, como Ronsel, exibe a expressão orgulhosa de quem se sabe merecedor de justiça e igualdade racial. Não posso deixar de destacar, também, o trabalho de Carey Mulligan como a doce e submissa Laura (se bem que, aqui, admito que sou mega fã da atriz, logo, bem pouco imparcial rs). Ódio mortal pelo personagem Pappy, o patriarca branco, horroroso até a medula dos ossos e muito bem interpretado por Jonathan Banks. A obra é muito bacana, e mesmo suas mais de duas horas de duração não pesaram nem um pouco. Recomendo.