Filme do dia (149/2021) - "Nomadland", de Chloé Zhao, 2020 - Após o colapso econômico de uma cidade no interior dos EUA e a morte prematura de seu marido, Fern (Frances McDormand) junta suas coisas e parte em uma jornada infinita pelas estradas dos EUA, tornando-se uma nômade moderna.

Wow!!!! Que filme bom!!! Daqueles que tem tantas camadas que é até difícil organizar as ideias para falar sobre! Mas vamos tentar fazer isso. Antes de mais nada, "Nomadland" é uma obra extremamente crítica acerca do mundo em que vivemos e do capitalismo. O filme retrata a falência do sistema econômico capitalista de dentro de suas entranhas, evidenciando aquilo que muitos tentam ignorar - as muitas, inúmeras, milhares de pessoas que vivem à margem da sociedade, na maioria das vezes não por escolha própria, mas porque foram "empurrados" para fora dela. São pessoas que sobrevivem de trabalhos temporários, pulando de um lado para outro, com pouco mais do que a roupa do corpo e alguns poucos pertences. Com poucas exceções, são, na maioria , pessoas bem mais velhas que, após anos de trabalho regular, viram-se despojados de quaisquer bens e não lhes sobrou nada além da estrada para sobreviver. Tais indivíduos, no entanto, encontraram no nomadismo moderno um ideal de vida, enraizado no "ser" mais do que no "ter" - e aqui encontramos a beleza deste estilo alternativo de vida, algo como "se o capitalismo nos vira as costas, nós também viramos as costas para o capitalismo". Pautados em um ideal de colaboração, tais nômades modernos reconhecem-se como tal e ajudam-se mutuamente, cruzando-se e encontrando-se estrada e país afora - é emocionante ver como estas pessoas se solidarizam umas às outras, formando uma verdadeira comunidade de apoio e acolhimento. Este estilo de viver, por outro lado, também estrutura-se num ideal de liberdade e ausência de raízes - após certo tempo, nenhuma destas pessoas sequer consegue conceber a ideia de se fixar em um local, como se aquilo fosse uma violência à sua liberdade. Mas, a moeda sempre tem o outro lado - junto com a liberdade vem uma profunda solidão auto imposta, pois cada indivíduo é uma célula única e independente das demais - e isto fica bem claro observando os personagens do filme. Bom, a obra encontra-se quase na interface entre a ficção e o documentário, pois, se a personagem Fern é completamente ficcional, todos os demais personagens nômades - com exceção de Dave - são pessoas reais que escolheram, por vontade própria ou não, o nomadismo como ideal de vida. Não tenho certeza, mas acredito que pessoas como Linda May, Swankie, Bob, Cat e os demais, contaram suas histórias reais em frente à tela - o que torna o filme ainda mais tocante, pois são narrativas cruas, sensíveis e no mais das vezes, dolorosas, acerca de perdas de diversos tipos. Os nômades modernos são, antes de tudo, sobreviventes em um mundo hostil que, frequentemente, os despreza. Voltando ao filme, a narrativa é linear e o ritmo bastante lento - eu diria que a obra é contemplativa, com muitos silêncio e diversas cenas de Fern sozinha, confraternizando consigo mesma, mais voltada para dentro de si que para o exterior. Vejo Fern como uma personagem que vive uma dupla jornada - se, por um lado, ela "viaja" mundo afora, pelas estradas do EUA, por outro ela também vive uma jornada interior, buscando-se a si mesma numa verdadeira viagem pelo autoconhecimento. A atmosfera geral do filme, para mim, é melancólica, ainda que eu acredite que isso seja uma leitura bem pessoal - como sou uma pessoa gregária e de fácil enraizamento, ainda que tenha visto muita beleza naquela liberdade toda, também senti demais o peso da solidão, o que me gerou muita tristeza. Acho que pessoas menos gregárias talvez vejam a obra como emocionante e instigante e, toda aquela solidão, como bastante prazerosa. A obra tem uma fotografia de cair o queixo, com muitos planos gerais, abertíssimos, mostrando a beleza das paisagens naturais por onde Fern passa, dando uma nova noção à ideia de horizontes e liberdade. Frances McDormand está incrível como Fern, numa atuação contida e muito sutil, muito mais pautada em expressões faciais e corporais do que em qualquer texto. No papel de Dave temos o ótimo David Strathairn, um personagem que me deixou bastante comovida. Mas quem mais me tocou foram as pessoas reais interpretando a si próprias como Linda May, Swankie e Bob - pessoas incríveis e admiráveis. Gente... "Nomadland" é um road-movie excepcional, que me emocionou profundamente. A obra andou fazendo arrastão nas premiações - foi agraciado com o Leão de Ouro em Veneza, o Globo de Ouro de Melhor Filme e Direção, bem como o Critic's Choice Awards nas mesmas categorias. Além disso, está indicado para o Oscar nas categorias de Melhores Filme, Direção, Fotografia, Roteiro Adaptado, Montagem e Atriz, e para o BAFTA em não sei quantas categorias. Filmaço, hein, maravilhoso, eu amei e recomendo com fervor uterino.
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