- hikafigueiredo
“O Abraço Partido”, de Daniel Burman, 2004
Filme do dia (112/2023) – “O Abraço Partido”, de Daniel Burman, 2004 – Argentina, início da década de 2000. O jovem Ariel (Daniel Hendler) passa seus dias em um pequeno comércio administrado por sua mãe, no interior de uma galeria comercial decadente. Ele guarda uma grande mágoa de seu pai, que fora, nos anos 70, para Israel, lutar na Guerra do Yom Kippur, abandonando sua família e nunca mais retornando. Na intenção de fugir de seus fantasmas, Ariel pretende conseguir um passaporte polonês, local de origem de seus avós fugidos da guerra.

Terceiro filme que vejo desse diretor, confesso que esse é o primeiro que me despertou alguma simpatia – e ainda assim um sentimento bem frágil. A história mostra um pouco do universo da colônia judaica em Buenos Aires em um momento particularmente complicado da economia da Argentina – em 2002, o PIB do país caiu mais de 10%, o que foi desastroso para toda a população. Logo nos primeiros minutos da obra, o protagonista Ariel apresenta cada um dos comércios da galeria onde sua mãe tem sua loja e o aspecto de absoluta decadência daqueles estabelecimentos dá a tônica do filme. O próprio protagonista transparece seu total fracasso – chegando aos trinta anos, Ariel não conseguiu terminar a faculdade de arquitetura, não tem uma renda própria, sendo um mero ajudante esporádico de sua mãe em uma loja que carece de movimento, largou a namorada ideal e seu único objetivo é conseguir um passaporte polonês para ir embora da Argentina. Facilmente percebemos que o filme discorre sobre abandono, falta de perspectiva, depressão, vazio existencial, fuga da realidade, medo e traumas pessoais – tudo personificado na figura de Ariel, mas que se estende além dele, alcançando outros personagens. Como o protagonista, que anda errático pela galeria e adjacências, o filme também me transmitiu uma certa ausência de rumo, tornando-se um fragmento aleatório daquela realidade. A narrativa é linear, em ritmo de lento a moderado. A atmosfera é modorrenta, reproduzindo a apatia e o abatimento daqueles personagens que convivem na galeria; também senti uma boa dose de angústia por acompanhar o que interpretei como o declínio daquelas lojas – este foi um filme que conseguiu me incomodar profundamente por conta desse mundinho tristemente decadente. A narrativa segue essa linha errante até que, do nada, um acontecimento vai jogar uma bomba nesse cotidiano vago de Ariel – isso acontece nos últimos vinte minutos do filme, dá umas reviravoltas na história, confunde a cabeça do personagem (e, em parte, a do espectador também) e leva a um desfecho meio abrupto que me deixou com uma interrogação estampada no meio das fuças. No fim do filme fiquei com uma séria sensação de “a que veio?”. O filme traz uma câmera solta, na mão, muito mexida, que me deu certa sensação de foud footage ou de documentário (para quem já viu a série The Office, versão americana, é exatamente aquele tipo de “câmera”) – certo é que, lá pelo meio do filme, eu já estava cansada daquelas imagens movimentadas, tremidas e, por vezes, procurando o foco. Tiveram momentos em que a sensação de claustrofobia surgiu, pois a galeria é pequena, apertada e cheia de lojas tipo “box”, sem janelas, uma sensação bem opressiva. Aqui e ali o filme é pontuado com alguns tangos argentinos, o que, para mim, foi uma grata e animadora surpresa. O melhor da obra, para mim, é a interpretação precisa de Daniel Hendler como o perdido Ariel – o ator, que eu não conhecia, está muito bem no papel, ele consegue transmitir todo o peso que recai sobre o personagem. Pelo seu trabalho, Daniel Hendler foi agraciado com o Urso de Prata no Festival de Berlim (2004), merecidamente, em especial por não ser uma atuação que se vale de exageros, ao contrário, ela se apoia em detalhes, uma interpretação contida e discreta. No elenco, ainda, Adriana Aizemberg como Sônia, mãe de Ariel (também muito bem), Sergio Boris, Jorge D’Elia, Silvina Bosco e Diego Korol, dentre outros. O filme ganhou o Grande Prêmio do Júri em Berlim (2004), por justificativa que me foge. Como disse, tive alguma simpatia pela obra, muito por conta de Daniel Hendler, mas não me animo a recomendar fortemente. Assistir ao filme vai ficar por conta do freguês.