"O Adversário", de Nicole Garcia, 2002
- hikafigueiredo
- 6 de out. de 2020
- 3 min de leitura
Filme do dia (386/2020) - "O Adversário", de Nicole Garcia, 2002 - Jean-Marc Faure (Daniel Auteuil) apresenta-se como médico e pesquisador da OMS, um homem profissional e financeiramente bem sucedido. Possui uma família estruturada, visita os pais regularmente, tem um bom círculo de amigos entre médicos de diversas especialidades, mora em uma casa deslumbrante. No entanto, ele carrega consigo um segredo.

O filme é baseado no romance homônimo de Emmanuel Carrére, que, por sua vez, baseou-se na história real de Jean-Claude Romand, um homem condenado na França por cometer vários e diferentes crimes. A história gira em torno da figura de Jean-Marc, um renomado médico e pesquisador contratado pela OMS... ou isso era o que todo mundo supunha aos longo de longos dezoito anos (!!!!) Na realidade, Jean-Marc jamais chegou a se formar em medicina, nunca exerceu a profissão de médico e a OMS nem tinha ideia de sua existência. Jean-Marc, por dezoito anos, saiu de sua residência dizendo que ia trabalhar, mas, na realidade, ficava vagando pelas cidades, ruas e rodovias, sem exercer qualquer atividade que fosse. Para sobreviver - com luxo, diga-se de passagem - apropriou-se de dinheiro de amigos e familiares, a quem dizia ter contatos em bancos da Suíça que lhe proporcionavam vantagens em aplicações com rendimentos incríveis. A obra acompanha algum tempo da vida do personagem, fixando-se no momento em que está prestes a ser desmascarado e o que ele faz para esconder suas mentiras. A história é uma das mais angustiantes que eu me lembro de ter visto - independente de Jean-Marc ser um mitômano, um psicopata ou somente um grande canalha, a ideia de não fazer nada, não produzir nada, simplesmente existir de maneira parasitária, aguardando o tempo passar, é a coisa mais próxima de um pesadelo que eu posso conceber. Causou em mim profundo incômodo e uma angústia dilacerante as (muitas) cenas de Jean-Marc fazendo o nada, simplesmente esperando. Para a família e os amigos - muitos dos quais médicos - Jean-Marc transmitia uma ideia de sucesso extremo e grande reconhecimento - quer coisa mais triste que viver uma eterna mentira? O filme começa com uma frase lapidar, com a qual concordo completamente: "pior do que ser desmascarado é NÃO ser desmascarado", pois isso possibilitou um caminho sem volta. A narrativa é completamente não-linear, indo e voltando no tempo, construindo, lentamente, uma tensão crescente - em quinze minutos de filme já percebemos que alguma coisa está errada e o estranhamento vai aumentando à medida em que nos aproximamos do desfecho. O ritmo começa manso, mas vai tomando vulto até o desfecho vibrante. A atmosfera vai mudando com o tempo, começa com um incômodo, evolui para uma angústia profunda e, posteriormente, transforma-se em tensão e horror. O destaque fica por conta da montagem não-linear e descontínua, um verdadeiro quebra-cabeça muito bem realizado. Também merece ênfase a interpretação - fantástica - de Daniel Auteuil como Jean-Marc - uma figura fraca, covarde e ignóbil representando seu oposto para uma plateia involuntária. Daniel Auteuil traz muita veracidade ao personagem evitando alardes ou uma interpretação rebuscada - é evidente que, para manter uma mentira dessa magnitude por tantos anos, a discrição e a "invisibilidade" teriam de ser extremas e seu Jean-Marc é exatamente a figura apagada, sóbria, discreta e maleável (para o mal) que o personagem exige. No elenco, ainda, o ótimo François Cluzet como Luc, Géraldine Pailhas como Christine, Emmanuelle Devos como Marianne e François Berléand como Remi. Auteuil, Cluzet e Devos receberam indicações, em suas categorias, para o Prêmio César de 1993. A obra é muito instigante e envolvente, o espectador não pisca um segundo sequer. Eu gostei demais e recomendo.
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