Filme do dia (350/2021) - "O Bebê de Rosemary", de Roman Polanski, 1968 - O casal Guy (John Cassavetes) e Rosemary (Mia Farrow) mudam-se para um antigo apartamento encravado em Nova York. Logo os vizinhos Roman (Sidney Blackmer) e Minnie (Ruth Gordon) estabelecem contato e fazem amizade com o jovem casal. A gravidez de Rosemary estreitará os laços e lançará suspeitas na grávida.
Considerado um dos melhores filmes de terror de todos os tempos (senão o melhor), tanto entre críticos, quanto junto ao público, o filme é a versão cinematográfica do romance de Ira Levin e traz uma história apavorante sobre uma jovem mulher que engravida e passa a suspeitar de que é o centro de um complô satânico que quer lhe tirar o bebê. A obra é um dos bons exemplos de como o terror psicológico é infinitamente mais aterrorizante do que qualquer filme baseado em cenas de jumpscare - ao longo da história, o espectador oscila entre acreditar nas suspeitas e nos temores da protagonista e entender seus receios como uma paranoia associada com o medo da gravidez de primeira viagem. Para quem assiste ao filme pela primeira vez, a dúvida só será dirimida nos últimos vinte ou quinze minutos da história, momento em que o espectador será confrontado com a verdade por trás do medo de Rosemary. A história traz, ainda, o registro de uma relação amorosa abusiva e desigual - qualquer espectador mais atento perceberá a maneira como Guy prevalece sobre Rosemary, de forma que suas opiniões e desejos sempre se sobrepõe aos da esposa. Okay, estávamos na década de 1960 e ainda nos encontrávamos na transição entre o modelo familiar completamente patriarcal e um mundo onde as mulheres ganharam certa autonomia, mas, é perceptível o quanto a personagem Rosemary é silenciada e "delicadamente" subjugada pelo marido, o que tomará proporções cada vez maiores até chegar ao clímax da narrativa. O roteiro, escrito pelo próprio Roman Polanski, é preciso, enxuto, não há sequer uma ponta solta ou informação desnecessária ou sobressalente, tudo é milimetricamente encaixado na história. A construção dos personagens é metódica, principalmente a do casal central: Rosemary como a doce, frágil, romântica e ingênua dona-de-casa, cujos sonhos se limitam à maternidade e ao papel de esposa; e Guy como o ator ambicioso, porém frustrado face sua pífia carreira, autocentrado, egoísta e com traços de personalidade narcisista. Ressaltaria, ainda, a personagem Minnie como a vizinha simpática e prestativa, completamente intrusiva, que pouco esconde sua frieza (o que fica evidente quando do suicídio de sua protegida e hóspede) e que se mostra extremamente melíflua, bajuladora, em relação a Rosemary. A narrativa é linear, em um ritmo bem marcado e crescente. A atmosfera inicia-se leve , gostosa, e, gradualmente, vai se tornando mais e mais pesada, ganhando ares de pesadelo, até mergulhar por completo no tormento da protagonista - nesse momento, o clima é de total agonia. Polanski consegue aprofundar a sensação de angústia através de câmeras nervosas, imagens distorcidas e trêmulas, muitas vezes na primeira pessoa em relação a Rosemary, expediente que já usara no fantástico "Repulsa ao Sexo" (1965). A fotografia da obra, aliás, é marcada por planos detalhes, em especial de rostos, e movimentos de câmera que dão a sensação de tontura, tudo muito bem utilizado. A trilha sonora é marcada por algo que parece uma canção de ninar, um "lá-lá-lá" sombrio, daqueles que arrepiam a espinha. Gostei da direção de arte, que fez do apartamento em que o casal mora um pequeno labirinto - em momento algum eu consegui compreender a disposição dos cômodos, exceto o armário que separa o apartamento de Rosemary da casa dos vizinhos -, o que contribuiu para um certo sentimento de claustrofobia. O apartamento do casal Castevet é ainda pior - o clima é ainda mais pesado e a sensação de claustrofobia aumenta geometricamente. Destaque para o antagonismo das imagens de Rosemary e Minnie - enquanto Rosemary usa roupas leves e claras e nenhuma maquiagem, Minnie pesa a mão nos acessório e no make-up, tudo sempre muito chamativo e exagerado. O elenco traz Mia Farrow, ótima, como a frágil Rosemary - ela parece um bibelô prestes a quebrar; John Cassavettes interpreta o asqueroso Guy com muita propriedade; Sidney Blackmer interpreta Roman, um homem culto, viajado e muito agradável; Maurice Evans interpreta o amigo querido Hutch; mas quem se destaca é a veterana Ruth Gordon como a pegajosa Minnie - a personagem é o estereótipo da vizinha invasiva, completamente sem-noção. Por seu trabalho, exemplar, Ruth Gordon foi agraciada com o Oscar (1969) e o Globo de Ouro (1969) de Melhor Atriz Coadjuvante, muito merecidamente, lembrando que filmes de terror sofrem, sempre, os maiores preconceitos pela Academia - por aí, já dá para imaginar quão bem foi a interpretação de Ruth Gordon. Olha... filmaaaaaaço... adoraria destacar cenas, mas seriam muitas e o risco de estragar a experiência do espectador de primeira mão, enorme, então vou me abster. Mas afirmo que é uma obra imperdível!!!!
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