- hikafigueiredo
“O Caçador de Pipas”, de Marc Forster, 2007
Filme do dia (129/2023) – “O Caçador de Pipas”, de Marc Forster, 2007 – Cabul, Afeganistão, final da década de 70. Amir (Zekeria Ebrahimi) e Hassan (Ahmad Khan Mahmidzada) são dois meninos inseparáveis. Amir é filho de um homem rico e de prestígio, enquanto Hassan é filho do empregado doméstico do pai de Amir. Um incidente marcará essa amizade e separará as duas crianças pouco antes da invasão soviética ao Afeganistão, o que levará ao exílio Amir e seu pai. Trinta anos depois, o passado baterá à porta de Amir.

Então... O filme é a versão cinematográfica do livro homônimo de Khaled Hosseini, um médico afegão naturalizado norte-americano, e, aparentemente, bastante fiel à obra bibliográfica. A história discorrerá sobre amizade, lealdade (e deslealdade), relações familiares, medo, culpa, coragem (e covardia), raízes e tradições afegãs e reencontros, mas, acima de tudo, sobre redenção. O protagonista Amir passará uma vida com o peso de uma atitude na sua na alma e precisará passar por muitas coisas para, finalmente, reencontrar a sua paz interior. É uma história com alguns elementos interessantes e tocantes, maaaaaaaaaas... que também tem uma série de problemas. O primeiro e mais gigantesco dos problemas é que a obra se propõe a falar de uma realidade que não é a de quem dirigiu o filme e nem mesmo de quem escreveu o livro. O autor do livro, Hosseini, partiu do Afeganistão aos onze anos, só retornando em visita ao país quase trinta anos depois, já com um olhar estrangeiro para o lugar. Por mais que tenha raízes afegãs, é perceptível o distanciamento do escritor daquela realidade – ele não consegue captar a essência do país, de seu povo e, acima de tudo, de seu cotidiano. Seu olhar é claramente ocidentalizado. Mais: é um olhar estadunidense para um complexo país oriental e muçulmano. Coroando este hiato entre a vida ocidental de Hosseini e o que ele retrata, a obra foi dirigida por um diretor europeu, mas com as bençãos de Hollywood, ou seja, seguindo rigidamente a linguagem imposta pelo cinema estadunidense. Justamente por isso, temos uma obra completamente esvaziada do que poderia existir de autêntico nela. Diferentemente do cinema oriental, mais especificamente, do cinema de “origem muçulmana”, muito marcado pela contribuição do cinema iraniano, temos um filme eufemista. Digo isso porque tive a sensação de que tudo na obra é colocado de uma maneira sutil, discreta, suave, “limpinha”. Falta crueza na história. Falta chutar a porta e escancarar a vida real de um país e de um povo. Falta alma na obra. O filme é um corpo vazio com uma história que poderia acontecer em qualquer lugar, pois não chega nem perto de alcançar o espírito do Afeganistão. Temos muito mais do país em “O Caminho de Kandahar” (2001), do diretor iraniano Mohsen Makhmalbaf, que, mesmo não sendo afegão, conseguiu captar o âmago do Afeganistão, ou no trágico “Osama” (2003), que descortina a terrível realidade vivida por aquele povo sob o regime do Talibã. O filme, enfim, não consegue trazer a fidelidade necessária ao país retratado para as telas. A obra começa mostrando Amir adulto nos EUA, volta à sua infância em Cabul, retrata sua fuga para o exílio e, então retorna para o presente de Amir nos EUA – o tempo não é linear, mas tampouco fica mesclando diferentes momentos da vida de Amir. O ritmo é moderado – o aceitável para um filme hollywoodiano. A atmosfera, para mim, é inexistente – sério, a obra não conseguiu me passar qualquer sensação, não senti qualquer emoção, mesmo com acontecimentos tráficos e violentos acontecendo na tela. O filme foi quase totalmente rodado no Afeganistão, assim pelo menos o desenho de produção é autêntico e mostra a real aparência do país. A fotografia é bem-feita, bonita, mas também falta criatividade, tudo me parece meio “pasteurizado” na obra. Das interpretações, quem mais chamou a minha atenção foram os atores mirins Zekeria Ebrahimi como Amir jovem e Ahmad Khan Mahmidzada como Hassan criança (o último melhor que o primeiro) – saíram-se bem e conseguiram trazer um pouco de vida à história natimorta. O ator que interpreta Amir adulto – Khalid Abdalla – tem a expressividade de uma parede branca, chegou a me incomodar. Melhor a interpretação de Homayoun Ershadi como o pai de Amir. No elenco, ainda, Atossa Leoni como Soraya e Shaun Toub como Rahim. Na real... o filme é todo certinho, mas fraco que só. Acho que poucas vezes uma produção hollywoodiana ficou tão distante do objeto retratado. Não curti não e não recomendo.