Filme do dia (217/2020) - "O Clã", de Pablo Trapero, 2015 - Argentina, 1983. Arquimedes Puccio (Guillermo Francella) é o patriarca de uma respeitável família portenha, com fortes contatos com a política e com os militares recém saídos do poder. Por trás da fachada de respeitabilidade, no entanto, Puccio era um bandido que, junto com seus filhos e esposa, cometia crimes atrozes.
Eu não me animava muito com o cinema proposto por este diretor. "Família Rodante" (2004) é uma obra simpática, mas pouco expressiva, e "Elefante Branco" (2012) eu, particularmente, achei fraquíssimo. Ainda assim, diante do frisson surgido pelo seu filme "O Clã", resolvi arriscar. E, tenho de confessar, que filme bom! A obra narra um breve período da vida do patriarca Arquimedes Puccio que conduzia sua família com um aparente afeto, mas que, diante de qualquer interferência em seus "negócios", mostrava suas garras e sua clara disposição a passar por cima de qualquer um para se proteger. Puccio, como era conhecido, sequestrava pessoas ricas e abastadas - muitas de seu próprio círculo de amigos e conhecidos -, exigia resgate por elas e depois de obtido o dinheiro, assassinava friamente seus reféns como forma de se ocultar. De uma maneira assustadora, Puccio envolveu sua família - esposa e filhos - em suas ações escusas, a ponto de levar os sequestrados para sua própria casa, utilizada como cativeiro. Ao longo do filme, fica evidente que Puccio tinha "costas quentes", que sua conduta era conhecida por figuras influentes da política argentina que, há pouco tempo saída de uma sangrenta ditadura militar, já havia naturalizado a violência e o "desaparecimento" de concidadãos. Também fica mais que claro que Puccio era um psicopata, um indivíduo incapaz de sentir afeto real ou ter empatia por quem quer que fosse, incluindo, aí, seus filhos, alguns dos quais foram obrigados a se envolver diretamente com os sequestros. Mas, o que é verdadeiramente assustador, é que se trata de uma história real, que tudo o que passa na tela aconteceu sob os olhos da sociedade argentina e com a anuência de algum ou alguns homens poderosos. Gostei muito da estrutura do filme, que joga com diferentes tempos. O ritmo é muito ágil e a maneira como os vários momentos se mesclam instigam a curiosidade do espectador. Engraçado como o personagem de Arquimedes causa ódio e repulsa, enquanto seus filhos causam uma mistura de sentimentos que vão da raiva e desprezo a uma boa dose de comiseração. Destaque para a montagem, complexa e criativa, e para a trilha sonora que vai de Ella Fitzgerald a David Lee Roth com absoluta desenvoltura. No elenco, destaque para Guillermo Francella, ótimo como o psicopata Arquimedes (gente... que cor de olhos é aquela? Os olhos do ator são tão claros que parecem brancos, uma coisa assustadora, e que ajuda a dar um ar maligno ao personagem); Juan Pedro Lanzani interpreta o filho Alejandro, o personagem mais "incomodado" com a conduta do pai, muito embora não conseguisse evitar seu próprio envolvimento com os crimes paternos; e Gaston Cocchiarale interpreta o filho Maguila, outro que tentou se desvencilhar do pai, sem sucesso. Interessante saber o desfecho da família, informação que será oferecida ao fim do filme (e que, óbvio, não vou falar). A obra é tão boa que foi agraciada com o Leão de Prata no Festival de Veneza. Eu gostei bastante, fiquei envolvida o tempo todo pela trama e recomendo.
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