Filme do dia (303/2021) - "O Horrível Segredo do Dr. Hichcock", de Riccardo Freda, 1962 - Londres, 1897. Após doze anos da morte repentina de sua esposa Marghareta (Maria Teresa Vianello), em circunstâncias suspeitas, o Dr. Hichcock (Robert Flemyng), um célebre cirurgião, desposa a sensível Cynthia (Barbara Steele) e retorna para sua antiga mansão. Logo, estranhos acontecimentos irão minar a delicada condição psicológica de Cynthia.

Com grande tradição no gênero terror, a Itália notabilizou-se por seus filmes góticos, com poderosa atmosfera sombria e direção de arte de época, sempre muito esmerada. Essas características podem ser encontradas nessa obra, que desenvolve o clássico "climão" tenso e arrepiante sob um caprichado visual vitoriano. O problema, aqui, reside no roteiro indeciso e frágil, que abre mais possibilidades do que o necessário para seu bom desenvolvimento. Na realidade, até a metade da narrativa, o filme se encaminha bem, envolvendo o espectador na trama onde o cerne é o mórbido fetiche do personagem Dr. Hichcock, que tem atração necrófila e mantém uma doentia relação com sua esposa Marghareta de forma a só tocá-la se ela estiver em uma condição similar à morte, alcançando isso através de um forte anestésico (não é spoiler, isso acontece nos primeiros dez minutos de filme). Ocorre que em certa ocasião a brincadeira sexual sai do controle e Marghareta acaba falecendo, para desespero do marido. Sem conseguir conviver no local, o médico afasta-se de seu lar por doze anos, retornando após contrair núpcias com Cynthia. A jovem rapidamente sente o baque de estar no habitat da antiga esposa, onde cada canto do imóvel parece ser um altar à falecida. A narrativa se mantém por mais um tempo, criando situações estranhas e assustadoras, mas, do meio para o final, é só ladeira abaixo. A questão é que o roteiro não sabe se envereda pelo sobrenatural ou se segue uma linha de desequilíbrio psicológico dos personagens e acaba ficando no meio disso - já diz o ditado "quem tudo quer, nada tem". Ao fim, sobram pontas soltas, assim como pontos mal explicados, para não dizer completamente sem sentido. A narrativa é linear, com uma grande elipse inicial. O ritmo é moderado, ganhando alguma agilidade ao final. Incrível como a condução da narrativa acaba com a deliciosa atmosfera de medo e tensão construída no início - um tremendo desperdício. A fotografia colorida, recortada em luzes e sombras, e a trilha sonora lúgubre colaboram para a construção de clima, como de costume. O elenco traz Barbara Steele - atriz britânica célebre por atuar nas produções de terror italianas das décadas de 60 e 70 e uma espécie de clone da atriz brasileira Cláudia Ohana - no papel de Cynthia - a personagem é pouco desenvolvida, falta-lhe conteúdo, e a interpretação de Steele tampouco ajuda a driblar o problema; Robert Flemyng interpreta o Dr. Hichcock - a atuação canhestra não possibilita vislumbrar qualquer profundidade no personagem, o que é uma pena, ele poderia ser desenvolvido tanto para o lado da culpa, como para algo mais doentio, mas, na realidade, fica no meio do caminho; Maria Teresa Vianello interpreta Marghareta e Harriet White, a governanta Martha, esta última bem mal aproveitada. O filme não tem muita defesa, não, ele promete muito no início e entrega muito pouco. Não direi que a visita vale a pena - apenas ignore. PS - o mais interessante, para mim, na obra, foi a forma abusiva através da qual o personagem do cirurgião se relacionava com suas esposas: impondo seu fetiche macabro à primeira e, assim, tirando dela qualquer prazer sexual; e impondo decisões e promovendo o chamado "gaslighting" em relação à segunda. Enfim, tudo o que se podia esperar de um cavalheiro vitoriano...
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