Filme do dia (76/2020) - "O Império dos Sentidos", de Nagisa Oshima, 1976 - Sada (Eiko Matsuda) é uma ex-prostituta que vai trabalhar como criada em uma propriedade pertencente à Kichizo (Tatsuya Fuji). Rapidamente, surge um desejo incontrolável entre os dois, o qual se transforma em uma paixão sem qualquer limite.
Curiosa com o controverso filme, baseado em fatos reais acontecidos em 1936, fui conferir a obra. Não é muito fácil falar sobre ela, não. Indiscutível que o filme foi ousado no que tange à sua abordagem do sexo - é uma obra de sexo explícito sem ser abertamente pornográfica e possui um roteiro que a leva além do consumo imediato das imagens sexuais expostas. Mas, além da ousadia, o que há? De um lado, acredito que o filme possua potencial para uma abordagem psicanalítica que considere a questão da pulsão de morte - o casal inicia um jogo erótico que o conduz, cada vez mais, à auto-destruição, o que não impede os amantes de prosseguir além dos limites do instinto de sobrevivência e muitíssimo além de qualquer trava (moral, social, psicológica, etc). Eu não conheço a fundo as teorias freudianas, mas acredito que haja elementos no filme para uma análise bem interessante dele nesse sentido - e, assim, a obra teria bem mais a oferecer do que mera historinha erótica (o que já a diferiria de outros filmes de temática semelhante). Por outro lado, há que se considerar o cuidado estético do diretor, evidentemente preocupado em "descolar" sua obra de uma vulgar imagem de filme pornográfico que porventura poderia ser-lhe associada. O filme é bem bonito, há a preocupação com posicionamentos de câmera, luz, direção de arte e som para que ele se afaste, o máximo possível, das produções baratas do cinema pornográfico - o que, na minha opinião, consegue. Também acho que o gradual aprofundamento da relação obsessiva entre os dois amantes foi muito bem desenvolvida - a obsessão não surge do nada (como no filme "Perdas e Danos" que eu detestei com todos os meus átomos), ela vai, paulatinamente, se instalando e tomando conta do casal, em especial da personagem Sada, até deixá-la completamente transtornada. Achei interessante a forma como a relação de poder entre os amantes se inverte ao longo da narrativa - inicialmente, ele possui uma posição de "vantagem" em relação a ela, uma vez que ele é o senhorio e, ela, a criada; gradualmente, há a inversão, e Sada assume quase total controle da relação dos amantes, pois Kichizo se coloca totalmente à disposição da amada para satisfazê-la de todas as formas. O filme oferece diferentes "camadas" de leitura e, por isso, o achei bem mais rico do que eu poderia supor inicialmente. Do ponto de vista técnico, destacaria a influência da música japonesa típica para "quebrar" a atmosfera de filme pornográfico, oferecendo-lhe uma certa delicadeza que o distancia deste gênero. Quanto às interpretações, gostei bastante de Eiko Matsuda, ela se mostrou bastante expressiva e entrou com muita coragem na personagem. Enfim, vejo o filme como mais complexo do que se fala por aí, motivo pelo qual vejo valor nele, mas, definitivamente, não é para qualquer gosto. Use o bom senso para assisti-lo (e tire as crianças da sala).
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