Filme do dia (146/2022) - "O Quarto Verde", de François Truffaut, 1978 - França, final da década de 1920. Julien Davenne (François Truffaut) é um jornalista de obituários que cultua a esposa já falecida, mantendo o quarto onde ela dormia irretocado desde sua morte, dez anos antes.
Adaptação de três contos do escritor Henry James, em especial "O Altar dos Mortos", o filme discorre sobre a obsessão do protagonista Julien pela morte, da qual se cerca em todos os aspectos de sua vida. Ex-soldado da Primeira Guerra Mundial, Julien vê com respeitosa comiseração as inúmeras mortes a qual vivenciou, tanto no campo de batalha, quanto na sua vida civil. Tal respeito faz com que o personagem cultue seus mortos, não se permitindo esquecê-los em momento algum. A obsessão de Julien acaba retirando dele seu interesse pela vida e, muito embora ele não atente contra sua própria existência, tampouco permite-se viver como uma pessoa normal, fechando-se em um verdadeiro túmulo em vida e entregando-se à sua pulsão de morte. Julien, por outro lado, faz um contraponto à personagem Cecilia, que, não obstante também carregue seus mortos e compartilhe seu respeito pelos que já se foram, não abre mão da vida e das experiências desta vivência. O interesse pela morte irá aproximar Julien e Cecilia, que, no entanto, vivenciarão de maneiras quase opostas essa proximidade. A obra mostra-se profundamente pessoal, não apenas por trazer o diretor no papel do protagonista, mas, ainda, por pontuar seu "altar dos mortos" com fotografias de personalidades admiradas por Truffaut. O diretor, também, traz para a estética do filme o peso da obsessão funesta do protagonista, tanto através da direção de arte, que aposta em tons escuros, em especial, pretos, cinzas e azuis e ambientes sóbrios e silenciosos, quanto pela fotografia escura e sombria. A narrativa é linear, em um ritmo bastante lento, moroso. A atmosfera é respeitosa e pesada, como se o filme fosse um longo e infinito velório. O elenco traz o próprio diretor como protagonista, surpreendendo pelo "peso" que Truffaut imprime ao personagem (já que ele não é, essencialmente, um ator) - seu Julien mostra-se um morto em vida, um fantasma corpóreo que arrasta suas correntes que são, basicamente, seus próprios falecidos; no papel de Cecilia, uma doce Nathalie Baye - a personagem, ao contrário de Julien, transborda vida e vontade de viver, mesmo quando sofre por suas perdas, e a atriz consegue encher sua Cecilia de um brilho agradável e carinhoso. Eu sou muito fã da obra de Truffaut, mas confesso que este foi um filme que não me "ganhou". É evidente que o filme tem inúmeras virtudes, mas ele não dialogou com a minha alma e acabei assistindo-o de uma maneira um tanto quanto protocolar. Não vou deixar de recomendar, mas não começaria a conhecer a obra do diretor por este filme.
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