Filme do dia (114/2024) – "O Rei da Comédia”, de Martin Scorsese, 1983 – Rupert Pupkin (Robert De Niro) é um aspirante a humorista que começa a perseguir Jerry Langford (Jerry Lewis), um famoso apresentador de televisão e comediante. Em seus devaneios, ele acredita que Jerry é seu amigo e o tem em alta conta, quando, na verdade, Jerry só quer se livrar de Rupert e viver em paz a sua vida. Diante da resistência do humorista em abrir espaço para Rupert em seu show, o último parte para medidas drásticas e desesperadas.

Que filme incômodo! Muito embora seja classificado como uma comédia, eu o vejo muito mais como um drama, um drama sobre a busca por sonhos, a necessidade de reconhecimento e o desespero. O pouco humor que existe na obra funda-se no desconforto, naquele sentimento de “vergonha alheia” que exaure o espectador (ou pelo menos a mim), no estilo da série “The Office”. O protagonista Rupert Pupkin é uma figura patética e melancólica, um homem cuja autoestima infinita e inabalável o torna incapaz de reconhecer sua falta de talento e seu total fracasso profissional. Rupert vive numa realidade paralela e, sem distinguir devaneios de realidade, converte-se numa espécie de psicopata, ainda que incapaz de fazer mal à sua vítima, no caso, um famoso humorista da televisão. Acreditando verdadeiramente que o comediante e showman Jerry é um amigo – já que incapaz de perceber que essa proximidade só existe na sua fértil imaginação -, Rupert persegue o humorista, invadindo a intimidade de seu ídolo e ultrapassando todos os limites do bom senso. Rupert é incômodo, invasivo, insistente e sem qualquer noção de espaço alheio, mas, ao invés de incitar raiva no espectador, ele desperta um sentimento de compaixão, um compadecimento por sua imagem miserável de quem implora por atenção e reconhecimento sem sequer perceber esse movimento. Curioso que o “sofrimento” é só do espectador mais empático, porque Rupert permanece sublime e feliz dentro do seu universo pessoal e determinado em sua busca por sucesso no show business. A narrativa é cronológica, mas, por vezes, a realidade e a imaginação de Rupert se fundem, ao ponto de ter pelo menos uma cena em que demorei para perceber que a ação ocorria realmente no universo ficcional da história e não era um mero delírio do protagonista. O ritmo é moderado, mas levemente crescente. Gostei demais da condução da narrativa e de como o diretor não alivia em nenhum momento para o espectador, que segue “sofrendo” por Rupert até o final. Também gostei muito do contraste entre Rupert – alegre, expansivo, sem noção e sem talento – e Jerry, o comediante – introspectivo, tímido, discreto e sempre sério, o contrário do que imaginamos para um humorista. Vale ressaltar o trabalho de interpretação de Robert De Niro como Rupert e de Jerry Lewis como Jerry, ambos brilhantes. Por outro lado, achei um pouco exagerada a personagem Masha, interpretada por Sandra Bernhard, ainda que a atriz esteja ótima dentro da proposta. O filme foi agraciado com o BAFTA (1983) de Melhor Roteiro Original, mas foi indicado ao prêmio em várias outras categorias. Ah... e vale destacar que o filme foi inspiração óbvia para a cena da entrevista do filme “Coringa” (2019) (não foi à toa a presença de Robert De Niro como o apresentador nesta obra). Eu gostei bastante, apesar do desconforto que o filme despertou em mim. Disponível em streaming pela Disney+.
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