Filme do dia (440/2020) - "O Sabor do Grão", de Gianni Da Campo, 1986 - O jovem professor Lorenzo (Lorenzo Lena) é destacado para ensinar em uma pequena escola do interior. Lá, ele faz amizade com o menino Duílio (Marco Mestriner), de doze anos, e passa a frequentar sua casa. Paralelamente, Lorenzo envolve-se com Cecilia (Alba Mottura), mas o relacionamento está longe de ser ideal.

Quando o filme chegou ao fim, eu tive até dificuldade em acreditar no que eu havia visto e demorei um pouco a "realizar" o contexto da história. Sem rodeios, a obra trata da romantização de um envolvimento amoroso entre um adulto e uma criança de doze anos. Uma espécie de "Lolita", só que com um menino no lugar da garota. Não sei para o diretor, mas para mim isso tem um nome bem definido e não é bonito. Eu raramente faço juízo de valor quanto aos filmes que vejo, mas não me desceu ver a forma como a relação entre o professor e seu aluno foi mostrada como sensível, romântica e delicada - pelo menos, em "Lolita", a relação é neurótica e pouco sadia! Também não digeri a ideia da iniciativa partir do menino - essa é a desculpa de todo e qualquer pedófilo ("ela/ele que quis", "ela/ele provocou"). De qualquer forma, sim, faço juízo de valor deste filme e acho repugnante a normalização da relação entre o professor e seu aluno. Inclusive, a cena final, ambígua - muito provavelmente porque o próprio diretor achou que aí seria demais -, perde essa ambiguidade se considerarmos o nome da obra, e me causou profundo mal estar. Quanto à relação paralela entre Lorenzo e Cecilia, pareceu-me estar ali apenas para justificar certa frustração do personagem do professor que, daí, aceitaria as investidas do aluno ("Ai, tadinho, o professor foi uma vítima da situação!" >>> contém ironia). Enfim, para mim, a ideia do filme é toda errada e não dá para passar pano nela, não. A narrativa tem um ritmo bastante lento, praticamente não há clímax na história e a atmosfera, inicialmente leve, pelo menos para mim, passa a pesar à medida em que a tensão sexual entre o professor e o aluno começa a se delinear. Eu não sei se o problema era na cópia que eu assisti - mídia física do selo Cultclassic -, mas a fotografia se mostrou muito granulada e com pouca definição (ainda que uma ou outra cena não tenha perdido a beleza cênica por conta disso, como a cena no lago de águas azul turquesa). A direção de arte foi construída de tal forma que não conseguimos situar os acontecimentos no tempo - a história poderia se passar em quase qualquer década do século XX. As interpretações me soaram um tanto artificiais - algo meio comum no cinema italiano dos anos 70 e 80, não sei porquê -, mas destacaria o trabalho de Marco Mestriner como Duílio. Apesar de ser completamente aversa à ideia do filme, concordo que ele conseguiu manter-se - ao menos isso ! - longe de cenas apelativas ou explícitas (pelo menos quanto à relação do professor com o aluno). Fiquei tão incomodada com a romantização da relação de Lorenzo com Duílio que não consigo mesurar se o filme é bom ou não. Não sei o que dizer mais da obra. Assistam se quiserem passar incômodo.
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