Filme do dia (85/2019) - "O Sacrifício", de Andrei Tarkovski, 1986 - Numa ilha remota na Suécia, o ex-ator Alexander (Erland Josephson) vive com sua esposa Adelaide (Susan Fleetwood) e seu pequeno filho. Auto-exilado, ele abandonou palco e fama para trabalhar como um anônimo professor. Com a chegada de seu aniversário, Alexander recebe alguns amigos em sua residência para comemorar. Mas a notícia de uma guerra nuclear iminente, muda todos os planos de Alexander.
Os filmes de Tarkovski, ainda que maravilhosos, nunca são fáceis - de assistir, compreender ou digerir. O ato de assistir aos filmes do diretor exige disposição - são sempre obras muito lentas e intimistas, que pedem a entrega do espectador; da mesma maneira, a compreensão também não é fácil, pois seus temas são essencialmente filosóficos e, a linguagem utilizada, por vezes, bastante hermética; mas, o mais árduo, é digerir a obra, uma vez que o espectador é lançado, por lado, em uma verdadeira espiral de emoções e, por outro, em um universo gigantesco de temas a serem racionalizados. Não, certamente não é fácil assistir a um filme do diretor. Isto posto, chegamos a esta obra, último filme do diretor. Os temas abordados, aqui, são, dentre outros, o amor incondicional, a fé, a esperança, o medo da morte, o abandono do egoísmo e do materialismo em nome de um bem maior e comum, a exigência de sacrifícios para o restabelecimento da ordem e da harmonia. Como vocês podem ver, são assuntos universais, complexos e filosóficos, que mexem fundo com o ser humano. A história tem início com Alexander conversando com seu filho pequeno, o qual está impedido de falar por conta de uma cirurgia na garganta. O monólogo já dá o tom da história que virá - Alexander, ainda que desiludido com a vida e preocupado com os rumos tomados pela humanidade, conta uma história de fé inabalável e transformadora. Apesar de já trazer em si uma tensão latente, um certo mal-estar por algo que não se define ou localiza, este começo traz certo frescor pelos muito diálogos entre os vários personagens. Neste início, as imagens são claras, luminosas, a fotografia até parece meio "lavada" (propositalmente). Subitamente, há a notícia: o começo de uma guerra mundial nuclear, que traz a promessa da destruição completa da humanidade e da natureza, destrói, consigo, os sonhos, as esperanças e os planos de todos. As reações vão do total desespero à apatia, mas nenhum dos presentes consegue ficar alheio. As imagens, então, tornam-se sombrias, cinzentas, escuras, remetendo ao perigo nuclear. Na esperança de haver um restabelecimento da ordem, Alexander lança um desafio, faz uma promessa e oferece-se em sacrifício, abandonando sua individualidade em prol da humanidade como um todo, e da sua família, em particular. Paro por aqui para não dar spoilers e acabar com qualquer leitura individual do espectador, mas posso salientar que este é o mais bergmaniano filme de Tarkovski, o que é apreendido não apenas pelas temáticas (que me fez lembrar "Luz de Inverno", daquele diretor), mas, também pela presença de Erland Josephson, segundo ator "queridinho" de Bergman (atrás, somente de Max Von Sydow) e do fantástico Sven Nykvist, fotógrafo oficial dos filmes do diretor sueco. O filme é tão maravilhoso que recebeu quatro - QUATRO - prêmios em Cannes, tendo sido indicado para a Palma de Ouro (perdeu para "A Missão", de Roland Joffé), além do prêmio Bafta de filme estrangeiro. Vale cada minuto de exibição, cada neurônio frito e cada nó na garganta sentido. Obrigatório.
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