Filme do dia (287/2020) - "O Salário do Medo", de Henri-Georges Clouzot, 1953 - Uma paupérrima república sul-americana é dominada por uma poderosa companhia de petróleo norte-americana. A população miserável - incluindo os imigrantes que sonhavam em fazer fortuna no local e descobriram ser isso impossível - vaga atrás de qualquer trabalho que lhes garanta uma refeição. Após um acidente na refinaria, a companhia contrata quatro homens para levarem dois caminhões carregados de nitroglicerina até o lugar do acidente, quinhentos quilômetros distante da cidade mais próxima. No entanto, os escolhidos descobrem que a estrada não colaborará com suas expectativas de sucesso.
Com o perdão da expressão, que filme F-O-D-A!!!! Tão bom que é incrível ser tão pouco comentado dentre os amantes do cinema. Começa que é, possivelmente, a obra mais tensa que eu já tenha visto nos muitos anos de vida cinéfila. Eu parei o filme pelo menos duas vezes para tomar fôlego, porque desconfiei que ia ter um enfarto a qualquer instante. O roteiro chega a ser sádico - com os personagens e o espectador - de tantos percalços que surgem no caminho dos quatro homens, percalços estes que podem fazê-los voar pelos ares em segundos e sem aviso prévio. Pois ficamos crispados na poltrona o filme todo apenas esperando o pior acontecer. Outro motivo do filme ser tão fodástico é que ele faz uma das melhores críticas ao capitalismo que eu já vi. Até que ponto uma pessoa desesperada pode chegar para ganhar algum dinheiro para o seu sustento? Existe uma exposição limite para se alcançar um punhado de dinheiro? E existe alguma fronteira moral para quem detém o poder? A companhia de petróleo sabe que a tarefa é suicida, mas não vê nenhum dilema moral em mandar quatro "pré-cadáveres" para o abate, bastando, para isso, esfregar alguns dólares nas fuças dos infelizes. E, na balança entre a pobreza ou riqueza e a vida ou a morte, todos escolhem o risco de se explodirem, desde que, na reta final, exista uma compensação financeira (que, para a companhia, é troco, mas, para um pobretão, é uma pequena fortuna). Pois a crítica ao capitalismo reside justamente nessa ideia que tudo é mercadoria e pode ser comprado - inclusive a vida daqueles que não fazem muita falta aos poderosos (isso te lembra alguma coisa em época de pandemia??? Se não, deveria...). A narrativa é linear e bastante convencional, amarradíssima, tensa até a beira dos ossos e com um ritmo flutuante - há momentos mais relaxados, mas tem uns picos de ritmo e tensão que pelamor....A fotografia é um P&B suave, com vários planos de detalhe, em especial nos momentos mais tensos. O quarteto de atores é ótimo, cada qual gerando um sentimento diferente no espectador devido aos seus personagens. Yves Montand interpreta Mario, um francês arrogante na mesma medida em que não tem onde cair morto - achei divertida a escolha de Montand para o papel, porque, para mim, ele evoca sofisticação e jamais o imaginaria como um cara paupérrimo, explorador e meio brutamontes; Charles Vanel interpreta Jo, um senhor mais velho que se faz passar por importante e valentão - o espectador começa odiando o personagem, mas, lá pelo meio do filme a gente só quer consolar o pobre diabo; Folco Lulli interpreta Luigi, um italiano boa-praça e simpático, por quem torcemos desde o início da viagem; e Peter Van Eyck interpreta Bimba, um dos personagens mais sangue-frio já criados no imaginário cinematográfico (simpatia profunda pelo personagem). Vera Clouzot interpreta a personagem Linda (pelo visto, era cláusula contratual de Clouzot ter a esposa no elenco rs), que parece só estar na história para mostrar quão canalha era o personagem Mario. Destaques: a cena da estrutura de madeira (quase infarto 1); a cena da pedra (quase infarto 2, 3 e 4); a cena da poça de petróleo. Adorei a condução da cena final também. O filme é excepcional, eu o adorei e recomendo energeticamente!!!!!
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