Filme do dia (78/2019) - "O Silêncio do Céu", de Marco Dutra, 2016 - Diana (Carolina Dieckmann) é estuprada, dentro de sua própria casa, por dois homens. Apesar de seu sofrimento, Diana opta por se calar e nada revelar acerca da violência. O que ela não sabe é que seu marido Mario (Leonardo Sbaraglia) presenciou o estupro e, sem saber como agir, acabou por nada fazer para defendê-la. Os dias que se seguem e o silêncio do casal levarão a terríveis consequências.
Este é um filme interessantíssimo. Ele trata de uma infinidade de temas e pode ser "lido" por enfoques bem variados. Dentre os assuntos abordados temos a culpa, a incomunicabilidade, o enfraquecimento de relações apoiadas em mentiras e segredos, os medos femininos, e por aí vai. Mas, na minha leitura e opinião, o tema mais importante a ser destacado é a frágil masculinidade e o consequente machismo estrutural da sociedade. Curioso é que eu nem sei se a intenção do diretor era retratar esse assunto, tenho certa impressão que ele mirou um tema e acabou mostrando outras coisas no caminho. Mas, justificando o destaque que apontei, Mario, assim como o personagem Andrés, traz à tona o machismo e a misoginia da sociedade ao tratarem Diana como propriedade, posse, e não como outro indivíduo. Diante da violência sofrida por Diana, Mario não se move para acolhê-la, respeitando e compreendendo seu silêncio. Ao contrário, Mario a pressiona sutilmente para que ela confesse a violência, tornando ainda mais penosa a experiência. Mario, além de não acolher Diana, não se mostrar um porto seguro para a esposa, também não busca justiça, mas, sim, vingança. E, através, da narrativa em off do próprio personagem, tomamos ciência de um passado abusivo de Mario com relação à Diana - pois existem inúmeras formas de violência não-física e não respeitar a individualidade e os espaços da companheira é uma delas. A origem de todo esse machismo - que chegou a sufocar e emudecer Diana - é justamente a frágil masculinidade de Mario. Diante de seu medo de tudo, Mario, ao invés de assumir sua fragilidade para Diana, esconde-se atrás de uma falsa imagem de segurança, coragem e dominação. Mas, como disse, esse é apenas uma das leituras possíveis, a obra é riquíssima em temáticas. A construção do filme é bastante sólida - a cena inicial do estupro é fortíssima, quase traumatizante, e o restante da obra é até bem sutil face essa cena inicial. A opção em desenvolver a narrativa a partir da visão do marido e não da vítima é bem interessante. Como o foco maior da obra é em Mario, é claro que a interpretação de Leonardo Sbaraglia se sobressai à de Carolina Dieckmann - além disso, enquanto Mario é um personagem sanguíneo, cheio de mágoas, medos, dores, dúvidas, tudo à flor da pele, Diana é intimista, seus dramas estão muito bem guardados em seu interior, o que exige mais de Leonardo Sbaraglia do que de Carolina Dieckmann, cuja sutileza na atuação pode ser confundida com inexpressividade. O filme me agradou bastante, recomendo.
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