Filme do dia (116/2021) - "Pacarrete", de Allan Deberton, 2019 - Na pequena cidade de Russas, no interior do Ceará, vivia Maria Araújo Lima, ou, "Pacarrete" (Marcélia Cartaxo). Ex-bailarina clássica, ex-professora, que saíra de Russas para viver de ballet em Fortaleza, Pacarrete retornou à cidade para cuidar de sua irmã Chiquinha (Zezita de Matos). Tida na comunidade como louca, Pacarrete perseguiu o sonho de divulgar a dança clássica para seus conterrâneos e mostrar um pouco de sua arte na sua cidade natal.
Natural de Russas, o diretor Allan Deberton escolheu uma folclórica figura de sua cidade para retratar em seu primeiro longa-metragem. Ao longo de suas pesquisas sobre a "louca da cidade", Deberton deparou-se com a história de uma sonhadora e idealista artista, incompreendida entre os seus, e que, muito embora fosse excêntrica e escandalosa, não era louca como se acreditava no local. A obra discorre sobre duas questões: por um lado, trata da incompreensão sofrida por Pacarrete por ser tão diferente de seus concidadãos, e, por outro, retrata o ocaso de uma vida e as perdas que acompanham a velhice. Pacarrete realmente fora uma bailarina clássica e, apaixonada que era por essa arte, aspirava vê-la valorizada em sua cidade. No entanto, os habitantes de Russas preferiam manifestações culturais bem mais populares, fazendo com que Pacarrete não encontrasse qualquer eco de suas aspirações e fosse taxada de maluca pela sua insistência em querer encontrar um caminho para divulgar a sua arte - aquilo que a maioria não compreende sempre ganha adjetivos desairosos na sociedade. Sob um outro aspecto, a obra também fala da velhice e das perdas adjacentes. Na nossa cultura, onde a juventude é exaltada, ser idoso significa perder não apenas a mocidade - perdem-se, ainda, o respeito e a admiração dos demais; perdem-se as aspirações, os sonhos e os projetos; perde-se a memória; perdem-se a autoestima e a dignidade. Por mais que sobrem experiências e sabedoria, o idoso, com frequência, não encontra receptores para a sua mensagem - ele é silenciado, excluído e ignorado, algo inconcebível em outras culturas que valorizam a experiência e a maturidade. Assim, nossa personagem Pacarrete é silenciada de diferentes formas, restando um grande vazio repleto de ilusões. A narrativa é linear, com ritmo lento, mas agradável. A atmosfera inicia-se leve, com certa aura cômica que, com o desenrolar da história, torna-se trágica. A ambientação foi feita na verdadeira cidade de Russas e consegue transmitir aquele clima de cidade interiorana e pouco aberta a novidades. A fotografia é bastante contrastada e saturada, ressaltando, principalmente, o figurino colorido e excêntrico da personagem. A trilha sonora, bastante eclética, traz de forró a disco, de música clássica a tango. No elenco, a magnífica Marcélia Cartaxo como a alvoroçada, ranzinza, gritalhona e, mais que tudo, sonhadora Pacarrete. Outra veterana maravilhosa, Zezita de Matos interpreta a irmã Chiquinha. Participação espacial do igualmente fantástico João Miguel - sério, não tem nem o que falar do elenco, só gente muito boa! Apesar de melancólico, o filme é muito simpático, sensível e tocante. Eu gostei demais e recomendo!
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