“Palimpsesto”, de Hanna Västinsalo, 2022
- hikafigueiredo
- 24 de out. de 2023
- 3 min de leitura
Filme do dia (141/2023) – “Palimpsesto”, de Hanna Västinsalo, 2022 – Um grupo de idosos se submete a um tratamento genético de rejuvenescimento, dentre eles Tellu (Riitta Havukainen) e Juhani (Antti Virmavirta). No entanto, o que parecia ser uma segunda chance, torna-se uma experiência dolorosa já que as memórias e vivências mantêm-se intactas.

Palimpsesto é uma técnica de reutilização de pergaminhos em que a escrita antiga é raspada para dar lugar a outra, mais recente, e, aqui, título dessa produção finlandesa, uma metáfora para uma suposta “segunda chance” de vida. Tellu e Juhani são dois idosos que, juntamente com outros octogenários, oferecem-se voluntariamente para se submeter a um experimento genético que lhes promete restabelecer a juventude. O tratamento é um sucesso e rapidamente os corpos já desgastados pelo tempo recobram seu viço e energia. Ocorre que, diferentemente do que se poderia supor, a vida já vivida não se apaga da memória e todas as experiências passadas permanecem intactas, incluindo as dores e alegrias já vivenciadas. Assim, a obra abre espaço para uma discussão filosófica acerca da efemeridade da vida, do envelhecimento, da solidão e daquilo que define cada indivíduo, pois, o que parecia uma nova chance de aproveitar a vida, torna-se uma difícil jornada interior. Dentre os múltiplos aspectos dessa discussão, o que mais me chamou a atenção foi seu caráter essencialmente afetivo – não serão questões práticas ou quaisquer experiências racionais, intelectuais ou profissionais que guiarão as escolhas dos personagens (ainda que elas apareçam, principalmente para o pragmático Juhani), mas sim seus afetos e lembranças a eles ligadas, o que significa, para Tellu, a perda de uma filha, e, para Juhani, a perda de seu grande amor e companheira Matilda e o repúdio de sua filha devido a sua nova forma física. Tive a sensação de que o filme conclui que a nossa jornada em direção ao fim é quase necessária como forma de amenizar as nossas dores e perdas de toda uma vida – um pouco depressiva essa conclusão, não? A narrativa é linear – embora os corpos dos personagens se recuperem e tornem à juventude, o tempo cronológico de tudo mantem sua marcha ininterrupta. O ritmo é de lento a moderado, respeitando a necessidade de adaptação dos personagens. A atmosfera é de introspecção e leve angústia – Juhani ainda encontrará algum conforto em atividades intelectuais, perseguindo um leve sonho de juventude, mas tanto Tellu, quanto o a próprio Juhani serão confrontados com diversas questões existenciais. Formalmente é uma obra convencional, que aposta em um visual “clean”, quase minimalista – muito embora a fotografia se detenha, por diversas vezes, em planos detalhes dos rostos rejuvenescidos (que imediatamente nos remetem à ideia de que a ausência de marcas no corpo não afasta as marcas da alma), ela opta por não fazer uso de ângulos inovadores ou posicionamentos de câmera muito criativos, bem como uso de filtros quentes ou frios ou, ainda, de grande saturação ou contrastes de luz e sombra, numa clara intenção de não tirar a atenção do que importa. Em outras palavras, é uma fotografia bem naturalista, para passar despercebida. O desenho de produção reforça esse propósito – há a opção por cores neutras e discretas e ambientações com poucos detalhes, algo meio asséptico. Uma coisa rara – a edição de som me chamou a atenção (e até incomodou) por registrar detalhes ínfimos: os ruídos da mastigação, o som de um papel desdobrado, ou de um biscoito partido, tudo é muito evidente, o volume dos sons não é nada naturalista. As interpretações foram todas ótimas – tanto Antti Virmavirta, quanto Leo Honkonen, atores que dão vida a Juhani, mostram-se decididos e convictos de suas posições; Tellu, por sua vez, é interpretada por Riitta Havukainen, Krista Kosonen e Emma Kilpimaa, nas diferentes fases da vida, e as atrizes conseguem manter a integridade da personagem. Eu gostei demais da obra, a achei tocante e filosófica na medida certa, abrindo espaço para muitos questionamentos acerca da nossa existência e do nosso processo de lento envelhecimento. Curti e recomendo.
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