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  • hikafigueiredo

"Piedade", de Cláudio Assis, 2020

Filme do dia (245/2020) - "Piedade", de Cláudio Assis, 2020 - Na Praia de Saudade, no vilarejo de Piedade, existe o Bar Paraíso do Mar, gerido por Dona Carminha (Fernanda Montenegro) e seu filho Omar (Irandhir Santos). A empresa Petrogreen tem interesse nas terras do bar e das cercanias, já que causou grande destruição ambiental local com a extração de petróleo. O executivo da empresa Aurélio (Matheus Nachtergaele) é enviado ao lugar para tentar convencer Omar a vender aquele pedaço de chão, mas encontra a resistência do nativo. Mas o executivo possui uma carta na manga que desestabilizará toda a família de Dona Carminha.





Cláudio Assis tem um cinema marcado por cenas fortes, violência e sexo, mas, também, por questões sociais diversas. Aqui o diretor abandonou a violência explícita, atendo-se às críticas sociais, mas não perdeu de vista seu gosto por cenas controversas e impactantes que podem incomodar um pouco o público mais pudico (mas que a mim não causaram nem cócegas, pelo contrário). O cerne da discussão, nesta obra, encontra-se na preservação, não apenas a ambiental, mas, ainda, a preservação das raízes, da história, da memória. Omar e Dona Carminha insistem em permanecer na Praia da Saudade porque, para eles, aquele local representa a memória viva do patriarca Humberto Bezerra. Também é uma forma de manterem intacta a memória do lugar, um local de intenso turismo no passado, hoje abandonado por conta da atividade predatória da empresa Petrogreen. Interessante como o diretor demonstrou, sem precisar colocar em palavras, o jogo sujo das grandes empresas em suas "negociações", as quais jogam baixo para alcançar seus objetivos. O filme foca na questão da resistência, mas, diferente de "Aquarius" (2016) e "Bacurau" (2019), ambos de Kleber Mendonça Filho e que tratam do mesmo tema, a leitura não é tão otimista. Não, Cláudio Assis é um pessimista de carteirinha e suas obras não esbanjam esperança, não. A cena final é de uma tristeza atroz, sem precisar usar uma única palavra sequer. Por outro lado, quem quiser ver o lado polêmico do diretor, vai deitar e rolar com as cenas de sexo entre Matheus Nachtergaele e Cauã Raymond - e vou te contar, rolou uma química incrível nas cenas e Cauã surpreendeu no tanto que se entregou ao personagem Sandro - muito bom! A narrativa segue em tempo linear, flui bem, mas eu só consegui ter uma visão abrangente da obra quando cheguei na cena final - antes, eu ainda estava tateando para entender qual era a "alma" do filme. O ritmo é bem marcado, mas sem "correrias" e segue constante até a última cena. O diretor gosta de investir na fotografia, é comum ele usar plongées absolutos e aqui não foi diferente - atenção para a primeira cena, a do cinema, que vai ruborizar o povo da vergonhinha. Cláudio Assis é um diretor que tem total domínio da linguagem cinematográfica e seus filmes são sempre muito bem "coreografados" - tanto a montagem, quanto a movimentação dos atores em cena, tudo é absolutamente impecável. O elenco também não poderia ser melhor e mais entrosado. Irandhir Santos, ídolo absoluto desta que escreve e figura constante nos filmes do diretor, está maravilhoso como o obstinado Omar; Fernanda Montenegro, nem tem o que dizer, ela é diva em qualquer papel e é sempre perfeita. Matheus Nachtergaele interpreta o filho da puta da vez e eu adorei como ele compôs seu personagem Aurélio (tem uma cena em que ele fica pegando a Dona Carminha, segura a mão, pega no braço, uma coisa pegajosa e, ao mesmo tempo, envolvente; como diria minha mãe, ele é melífluo). E Cauã Raymond - ai, Cauã!!! - entregou-se de corpo e alma ao seu personagem Sandro, parece outra pessoa (e continua deslumbrante). No elenco, ainda, Gabriel Leone como Marlon. O filme é ótimo, bem amarrado, autoral sem ser hermético, exige algum esforço para compreender as intenções do diretor, mas não é nenhum trabalho hercúleo, visualmente belo, impactante sem ser chocante demais... é muito bom, gostei e recomendo (aliás,. recomendo tudo do diretor).

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