Filme do dia (24/2022) - "Quando Fala o Coração", de Alfred Hitchcock, 1945 - Numa renomada instituição psiquiátrica, a Dra. Constance Petersen (Ingrid Bergman) trabalha como psicóloga. Após o afastamento de um antigo colega, chega ao local o Dr. Edwardes (Gregory Peck), que passa a apresentar, em pouco tempo, um estranho comportamento, despertando suspeitas nos demais colegas, incluindo a Dra. Petersen.
A obra em questão, cujos direitos de filmagem haviam sido solicitados ao produtor David O. Selznick pelo próprio Hitchcock, que via, na trama, uma ótima oportunidade de trabalhar temas que lhe interessavam, como dúvida, culpa e inconsciente, mescla, com certo sucesso, o típico thriller hitchcockiano com um romance um pouco açucarado para o meu gosto. Ao longo de quase duas horas, vemos a personagem Dra. Petersen digladiando-se contra tudo e todos para provar a inocência daquele que se apresentou, no início da história, como Dr. Edwardes - e tal tarefa só poderá ter sucesso mediante a combinação de seu trabalho como psicóloga com seu deslocado esforço como detetive. É indubitável que o terreno apresentado é extremamente fértil para um filme de suspense - afinal, temos uma série de dúvidas quanto ao personagem de Gregory Peck, que, por sua vez, precisa trabalhar inúmeras questões inconscientes, dentre as quais uma culpa cuja origem se desconhece, para, talvez, conseguir comprovar uma inocência da qual ele próprio duvida. No entanto, parte desta riqueza dos elementos da obra que poderiam proporcionar o melhor dos thrillers se dilui face ao romance que se desenvolve - e, por vezes, sobressai além do necessário - entre os protagonistas. Eu diria, até mesmo, que o diretor era uma sumidade no gênero suspense (definitivamente, o melhor até hoje!), mas que não lidava com a mesma desenvoltura quando o assunto desembocava no gênero romance, motivo pelo qual algumas passagens românticas mostraram-se um pouco deslocadas e excessivas em relação ao todo da obra e sua natural predisposição ao suspense. Claro que isso não estraga o filme, mas acaba por diminuir um pouco seu potencial. Por outro lado, é evidente que o diretor aproveitou muito bem o gancho da psicanálise e seu trabalho com inconsciente ao longo da narrativa, com destaque para a cena do sonho (cuja concepção e desenho contou com o trabalho de ninguém menos que Salvador Dali e que foi dirigida, não por Hitchcock, mas por William Cameron Menzies, conhecido por seu trabalho em Direção de Arte). A narrativa é linear, com algumas grandes elipses de tempo, em ritmo moderado no início, mas crescente, ganhando dinamicidade ao se aproximar do fim. A atmosfera flui entre tensão e angústia e romantismo. A fotografia P&B é muito contrastada, o que nos remete, mais uma vez, ao Expressionismo Alemão, que tinha, em comum a essa obra, o apego ao inconsciente. Lógico que, em se tratando de Hitchcock, os planos e posicionamentos de câmera nunca são óbvios, sobrando ousadia, criatividade e dinamismo na fotografia da obra. O elenco é formado pela divina Ingrid Bergman que, extremamente versátil, transita bem entre as cenas românticas e as de suspense no papel de Dra. Petersen; Gregory Peck, monstruoso (como sempre), destaca-se em cada cena de surto, ficando com plena cara de maluco, perfeito para o papel; Michael Chekhov interpreta o Dr. Brulov, numa interpretação excepcional; e Leo G. Carroll interpreta o Dr. Murchison. Apesar da parte de romance - que eu sempre acho meio chatinha -, o filme é um bom thriller, extremamente hábil em criar dúvidas quanto a verdade do filme como um todo. É um Hitchcock, né, não podia ser diferente!!! Gostei e recomendo.
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