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"Relâmpago", de Mikio Naruse, 1952

hikafigueiredo

Filme do dia (371/2021) - "Relâmpago", de Mikio Naruse, 1952 -Osei (Kumeko Urabe) é mãe de quatro filhos, cada um de um pai diferente. Estando as filhas mais velhas casadas, a mãe se preocupa com a filha menor Kiyoko (Hideko Takamine), que não quer se casar, e com o único filho, que não consegue um emprego. A vida familiar é conturbada, já que todos dão palpite na vida uns dos outros, com exceção de Kiyoko, que só quer um pouco de paz.





A obra, baseada em um romance da autora Fumiko Hayashi, retrata uma família disfuncional, onde intromissão, inveja, ciúme e competição dão a tônica. Enquanto a filha mais velha se vê às voltas com um marido infiel, a segunda filha tenta impor um marido a irmã Kiyoko e o caçula passa as tardes na jogatina, Kiyoko trabalha e tem intenções diferentes de um casamento arranjado para sua vida. O tema central aqui - recorrente tanto na obra da escritora, quanto nos filmes do diretor - é a transformação das relações sociais e familiares no pós-guerra, com a lenta superação de antigas tradições - como os casamentos arranjados e o papel da mulher na sociedade japonesa -, que dão lugar a novas relações marcadas pela influência do capitalismo e do Ocidente. Mais uma vez, o foco recaí sobre questões femininas - vivenciadas, mais especificamente, pela personagem Kiyoko, que se nega a permitir que os familiares tomem as rédeas de sua vida e se rebela contra as convenções sociais pré-guerra. Como é comum no cinema de cotidiano, a obra é um fragmento da vida dos personagens e não traz qualquer ocorrência excepcional envolvendo qualquer deles, mas tão somente um pouco de seu dia-a-dia com as intercorrências naturais de existências vulgares. A narrativa é linear, em ritmo moroso, com forte influência do mestre Ozu. A atmosfera é confortável, com o reconhecimento do espectador das questões mundanas ali tratadas. O roteiro interliga os vários personagens, mas realça a personagem Kiyoko e seus problemas e devaneios. A obra traz uma fotografia P&B suave, pouco contrastada, que privilegia os muitos matizes de cinza e os planos médios, predominantemente fixos, ainda que, aqui e ali, existam alguns poucos travellings, quase imperceptíveis. A trilha sonora mimetiza a sonoridade do cinema clássico norte-americano, inexistindo influência da música tradicional japonesa. Na direção de arte, há a convivência pacífica de elementos da cultura local com outros trazidos do exterior (o que fica muito evidente através do figurino, onde quimonos e roupas ocidentais coexistem no mesmo espaço). No elenco, o destaque fica por conta de Hideko Takamine, musa de Mikio Naruse, no papel de Kiyoko, a jovem decidida a construir sozinha seu próprio destino, numa interpretação sutil e nem conduzida. A obra fecha o box da Versátil dedicado ao diretor e é uma boa representante do cinema de Naruse. É um filme agradável, realmente gostoso de se assistir e que certamente agradará quem curte cinema oriental. É uma boa pedida.

 
 
 

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