Filme do dia (89/2024) – “Tony Manero”, de Pablo Larraín, 2009 – Chile, 1978. Raúl Peralta (Alfredo Castro) é um homem de meia idade obcecado pelo personagem Tony Manero, vivido por John Travolta, no filme “Os Embalos de Sábado à Noite”. Ele sonha em ganhar um concurso televisivo de imitadores, treinando obsessivamente os passos de dança do personagem, e, para atingir seu objetivo, ele não medirá esforços e não respeitará nenhuma regra.
Esse estranhíssimo filme do diretor Pablo Larraín tem, como objeto, muito mais do que um olhar desavisado suspeitaria. Se, numa primeira vista, a obra trata de um cinquentão obcecado por seus sonhos de reconhecimento e sucesso, um olhar mais atento vai ver, neste homem de meia idade, um reflexo de uma sociedade conflituosa, degradada e decadente. Muito embora a realidade chilena não aparente ser, no filme, o assunto principal, ela é, na verdade, o cerne da história. Em 1978, o Chile encontrava-se sob uma ditadura militar sanguinária, a qual desrespeitava não apenas os direitos dos cidadãos chilenos, mas os próprios Direitos Humanos. Para atingir seus objetivos de poder, o governo totalitário de direita recorria à violência e destruía impiedosamente seus oponentes. Fácil perceber o paralelo deste governo violento e desumano com o amoral Raúl Peralta que, da mesma forma, agia violentamente e fora de qualquer lei ou moral contra aqueles que cruzavam seu caminho. Mas, além da obra ser uma representação da ditadura militar chilena no primeiro plano, no segundo plano, Larraín não permite, um momento sequer, que o espectador perca de vista aquela situação sociopolítica do país. Dos toques de recolher às batidas policiais, dos interrogatórios sem a devida instauração de inquérito policial ao patrulhamento ostensivo feito por tanques e soldados, por toda a narrativa temos elementos nos lembrando, constantemente, que o país está sob um governo totalitário e violento. Assim, vê-se que a questão sociopolítica chilena está presente em todas as “camadas” da obra, o que é possibilitado por um roteiro complexo, porém enxuto, assinado pelo próprio Larraín. A narrativa é linear, em ritmo marcado, A atmosfera inicia-se leve, mas passa a pesar – cada vez mais – à medida em que Raúl usa de violência para alcançar seus objetivos. Formalmente, o filme caracteriza-se por trazer imagens que refletem aquela situação – a fotografia desmaiada, sem brilho e sem saturação, nem sempre com foco perfeito, muitas câmeras na mão que resultam em imagens tremidas e com enquadramento imperfeito, câmera muito “mexida”, acompanhando os movimentos dos personagens, tudo leva a uma impressão de fotografia “suja”, perceptivelmente proposital. O desenho de produção usa locações reais, em bairros pobres, muitas das vezes decrépitas, bem como cores neutras e acinzentadas em praticamente tudo – praticamente não existe cores no filme. Quanto ao elenco, temos Alfredo Castro numa interpretação marcante – Raul Peralta é um verdadeiro psicopata sob uma aparente normalidade e o ator consegue imprimir toda essa complexidade e contradição no personagem. Excelente trabalho! No papel da submissa Cony, Amparo Noguera, num trabalho eficiente, mas que acaba sendo apagado pela interpretação de seu colega de elenco. Paola Lattus interpreta Pauli e Héctor Morales, Goyo. Destaque para as coreografias intencionalmente patéticas e toscas e para a triste e decadente caracterização do protagonista, igualmente proposital. Eu curti o filme, mas confesso que eu o achei bastante excêntrico. De qualquer forma, vale muito a visita. Está facinho de ver, já que disponível na grade na Netflix.
Comments