Filme do dia (10/2021) - "À Espera dos Bárbaros", de Ciro Guerra, 2019. Em uma pequena província fronteiriça, em algum lugar distante na Ásia ocidental, um magistrado (Mark Rylance) justo e ético cuida dos interesses de um império colonial. A chegada do Coronel Joll (Johnny Depp), conhecido por seus métodos violentos de interrogar prisioneiros, trará horror ao magistrado, que entrará em choque com o enviado do império.
O colombiano Ciro Guerra, diretor do lindíssimo "O Abraço da Serpente" (2015), estreia no cinema norte-americano com esta obra, baseada no romance homônimo do escritor sul-africano J. M. Coetzee. Apesar de abandonar a linguagem autoral que apresentou no filme de 2015 e enveredar por um cinema bem convencional, Ciro Guerra torna ao mesmo tema ao criticar e questionar o colonialismo, a conquista de terras de seus povos originários e a aculturação desta mesma população nativa pelos conquistadores (a.k.a. europeus). O filme não especifica de qual império colonial se trata, mas nem precisa - todos foram igualmente destruidores, violentos, covardes e assassinos com os povos e culturas autóctones. O título é impressionantemente cirúrgico e irônico - quem são os bárbaros, afinal? O povo nômade que vê suas terras serem, paulatinamente tomadas, são caçados, torturados, assassinados, ou o conquistador que a tudo dizima e que chega sujeitando os nativos às piores violências e humilhações? A obra explicita a selvageria do conquistador e revela como ele minava, inclusive, as relações entre diferentes povos originários, que passavam a rivalizar e lutar entre si. A narrativa é linear, bastante convencional, mas bem desenvolvida e amarrada, o ritmo é moderado e a atmosfera é de injustiça e indignação crescente. A história é conduzida pelo olhar ético e civilizado do magistrado, que acaba contrapondo-se às orientações superiores e, por isso, cai em desgraça e sofre as consequências de seu questionamento. Na minha opinião, o assunto é importantíssimo para entender uma série de inter-relações entre países e povos, e compreender um pouco da geopolítica atual do mundo - só por isso, o filme já seria importante. O filme aproveita a paisagem natural - um lugar desértico e praticamente desabitado - para premiar o espectador com imagens lindíssimas e fotografia impecável. A direção de arte também foi bastante feliz na caracterização dos povos nativos e dos conquistadores imperialistas. Mark Rylance, um ator que considero excepcional, traz humanidade para o personagem do magistrado - ele não é perfeito, mas consegue discernir o certo do errado, é ético, pacífico e empático, e Rylance é hábil em apresentar essas características ao público; o mesmo não posso dizer de Johnny Depp, que interpreta o coronel Joll - o personagem é pouco desenvolvido, até porque fica pouco tempo em cena, e tudo que apreendemos dele é que ele é um psicopata sanguinário e perverso e Johnny Depp não consegue mostrar qualquer outra faceta dele. Aliás, minha opinião é que Johnny Depp foi "engolido" por seu próprio personagem e, hoje em dia, ele, simplesmente, só representa a ele mesmo (peguei um ranço monstro dele depois que ele criou o capitão Jack Sparrow e ficou cheio de maneirismos). Melhor está Robert Pattinson que fica ainda menos em cena e, mesmo assim, traz mais realismo ao seu personagem, um subalterno do Coronel Joll igualmente violento. Eu havia escutado falar muito mal deste filme - pura injustiça. O que falta em originalidade e ousadia na forma do filme, sobra em importância no tema. Eu gostei bastante e recomendo.
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